Neste momento há milhares de pessoas em guerra contra a covid-19. Essa guerra é silenciosa, não há troca de tiros, ninguém vê os bombardeios, não se tem notícia de navios afundados ou aviões abatidos. Entre mortos e feridos, para usar um chavão de guerra, há um inimigo invisível que se reproduz dentro dos corpos de forma enlouquecida, obedecendo a uma comando biológico que compromete os pulmões, nossa árvore da vida, e também os rins e o coração,entre outras consequências, obrigando as equipes médicas a trabalharem em várias frentes.

Talvez, nunca na história da humanidade tivemos tanta certeza de que a respiração, esse ato cotidiano de troca de gases com a atmosfera, vale mais do que muitos de nossos desejos banais, como a vaidade de ser bonita ou rico o suficiente para comprar o carro mais caro do ano.

Essa batalha silenciosa nos ensina que importante mesmo é a vida, embora alguns desdenhem da doença que já matou quase 900 mil pessoas em todo mundo, segundo dados da ONU (Organização das Nações Unidas).

Diante de inimigo tão perigoso seria natural que os governos empreendessem esforços de guerra para seu combate. Mas, aqui mesmo no Brasil, onde já ultrapassamos as 123 mil mortes, há um presidente que desdenha da gravidade da doença - aquela “gripezinha” -, e acaba de divulgar uma peça publicitária segundo a qual “ninguém pode obrigar ninguém a tomar vacina”, alegando uma defesa “da liberdade dos brasileiros”. Liberdade para contrair o vírus e morrer, numa leitura realista.

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. | Foto: Marco Jacobsen

Ninguém imaginava que a “guerra biológica”, ameaça de tantos governos autoritários ao longo da História, se consumaria no século 21 com a humanidade inteira lutando contra um vírus, salvo no caso de algumas exceções bizarras.

Desta vez, não parece crível que essa guerra tenha sido engendrada por alguma potência, afinal todos perderam nestes oito meses de batalha, mas na Idade Média os mongóis liderados por Genghis Khan lançaram mão da peste bubônica para aniquilar inimigos, jogando cadáveres infectados para dentro das muralhas das cidades que queriam invadir. Hoje, ainda embalada nos planos da destruição em massa, o lado perverso da humanidade - evidente em alguns governos, - enfim se confronta com o inimigo que um dia quis disseminar por conta própria.

No Brasil, populações vulneráveis, como os moradores de rua, das periferias ou os indígenas, estão entre os mais afetados, embora a doença desconheça categorias e classes sociais atingindo a todos, incluindo os incautos que bufam por aí, sem cuidados e sem máscaras, para afirmar que “isso não é nada.”

Só quem sobrevive a essa guerra sabe o valor da vida, depois que deixam os leitos das UTIs onde lutaram como quem foi à batalha mais dura: a da sobrevivência.

Tenho dois amigos que voltaram dessa guerra recentemente. Na volta, suas palavras são de gratidão àqueles que os ajudaram, à ciência, às equipes médicas, aos parentes, e também a Deus, que parece se tornar mais presente na vida das pessoas que regressam dos dias e noites em confronto com o coronavírus. Depois da batalha, meus amigos parecem mais calmos, mais humanos, como se carregassem a gratidão que nunca deveríamos perder de vista. Muito além da vaidade, da competitividade, dos desejos banais, os sobreviventes transparecem um olhar mais forte de amor à vida.