Imagem ilustrativa da imagem Nas alturas, sem asas
| Foto: Marco Jacobsen

Sempre admirei quem trabalha nas alturas, aqui mesmo na FOLHA pautei reportagens sobre pessoas que limpam vidraças de prédios ou trabalham na rede elétrica. Até para fazer as pautas sentia um friozinho na barriga. Comparo estes operários a seres etéreos, embora não tenham asas. Fico imaginando como é segurar-se lá em cima, com o mundo a seus pés, e ser colhido de repente por uma rajada de vento ou uma tempestade, duas condições climáticas consideradas inimigas dos alpinistas urbanos.

Sei que eles são treinados e usam equipamentos de segurança, ainda assim é um desafio fazer de subidas a locais alcançados somente pelos pássaros uma rotina de trabalho. No máximo subo dois ou três lances de escada quando quero trocar uma lâmpada e procuro não olhar para baixo. Aprendi com os gatos que das alturas é melhor descer de fasto, sem a menor consciência do desafio para não ter vertigens.

Numa matéria sobre o assunto, vi uma curiosidade: nos EUA, as construtoras contratam índios navajos para trabalhos muito acima do chão. Por alguma razão, a tribo dos navajos é a única que não sente vertigens em lugares altos. Devem ter aprendido com os gatos ou águias que planam sobre as montanhas.

De minha parte, o lugar da natureza mais alto que conheci foi um mirante na Chapada dos Guimarães (MT) – não o oficial – mas um daqueles lugares que os aventureiros descobrem para praticar sua arte de investigar o desconhecido. Na Chapada tudo é grandioso e foi lá de cima que tive a impressão de ver o mundo descortinar-se, uma sucessão de vales e montanhas azuis, encostados ao céu de modo que tudo vira imensidão.

Tenho uma verve aventureira, o que não significa que alguma vez tive a coragem de praticar um esporte radical como o alpinismo, no máximo faço caminhadas por locais onde muita gente não se arriscaria, mas também tenho limites.

Ultimamente tenho ampliado o desejo de ver o mundo em outra escala. Morando no sexto andar, com um janelão à disposição para exercitar a visão, me divirto com parte do movimento da cidade visto de um outro ângulo, diferente daquele de quem vive com os pés no chão.

Além desta curiosidade, me comprazo em me sentir no plano das árvores mais altas, como uma imponente peroba. Da janela, imagino em que ponto dos galhos estaria se tivesse subido ali como um gato. Não à toa, treino minha gatinha para andar de fasto quando ela explora as árvores. Está certo que me limito a chamá-la fazendo “psi psiu”, mas preciso treiná-la antes que dia desses seja necessário chamar os bombeiros para tirar a bichana lá de cima.

Da mesma janela, vejo pessoas em escala de formigas e formigas invisíveis, em escala nenhuma. Mais que isso, torço para que um pica-pau tenha energia para afiar o bico todos os dias no mesmo galho. Essa vida de bichos e plantas estimula minha natureza aventureira que nunca teria talento para amarrar-se a um cinto de segurança a dez metros para consertar a rede elétrica. Deixo isso para os fortes, os operários corajosos, os índios navajos, os felinos treinados, as águias que vivem nas alturas. No máximo, registro em vídeo essa ousadia que me deixa tonta só em imaginar o que seria viver a muitos metros do chão. Apesar de “avoada” em muitos momentos ainda não criei asas imaginárias que, acredito, estejam nos corpos destes verdadeiros anjos que consertam postes, limpam vidraças e sobem em andaimes para construir cidades. Peço a Deus que os proteja em cada subida e os traga de volta em segurança enquanto assisto à sua façanha como quem vê um filme na televisão. Mais que isso, comigo não, violão.

Republicamos crônica da colunista Célia Musilli, que está em férias

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