A morte do compositor japonês Ryuichi Sakamoto me sensibilizou no último domingo (2) quando o anúncio chegou à imprensa. Na verdade, ele faleceu na sexta-feira, mas a notícia veio depois. Há muitas formas de lembrar Sakamoto: ganhador do Oscar pela trilha sonora do filme "O Último Imperador" (1987), dirigido por Bernardo Bertolucci, ele pode ser citado por ser esse prêmio e tantos outros que conquistou ao longo da carreira. Mas foi através do filme "Furyo - em Defesa da Honra" (1983) que eu e muitos da minha geração se tornaram admiradores de sua obra musical, pela beleza da música "Merry Christmas, Mr Lawrence", que se tornou uma daquelas que fazem parte da trilha sonora das nossas vidas.

Perdi as contas de quantas vezes ouvi a música em interpretações sinfônicas, como a apresentada no filme, ou ao piano, pelo próprio Sakamoto, sempre tão concentrado e profundo naqueles momentos em que um músico atinge a nossa alma, atravessando camadas desde a pele.

Ao saber da sua morte, confirmada dias depois da ocorrência em suas redes sociais, interrompi já bem tarde o descanso na noite de domingo para prestar uma homenagem a este que, certamente, é um dos compositores mais importantes do século 20.

Considerado o "avô da música eletrônica" pelas experimentações que o conduziram a uma carreira consagrada, Sakamoto estreou no cinema no filme "Furyo - Em Nome da Honra", de Nagisa Oshima, no qual, além de ser o compositor do tema musical que o tornou famoso mundialmente, atuou ao lado de David Bowie. Ele interpretou o capitão Yonoi, que investigava prisioneiros de guerra, dentre eles, o personagem de Bowie, capturado pelos japoneses na história que se passa durante a Segunda Guerra Mundial. O enredo de "Furyo" se desenrola sob a tensão de uma atração sexual reprimida, sendo que sua relação com o personagem intrepretado por Bowie caminha entre a repulsa e a atração.

A temática homossexual nos anos 1980 ainda não era tão comum quanto hoje e, ao incorporar um papel ambíguo e ainda polêmico, Sakamoto deu a medida de sua postura progressista na vida e na arte. A composição pulsante lhe deu um prêmio Bafta no ano seguinte. A música-tema de "Furyo", sustentada no teclado e distorcida por sintetizadores, dava mostras de seu interesse pelo experimentalismo o que o fez aproximar-se de músicos como o próprio Bowie e Iggy Pop.

A partir daí viriam várias trilhas para o cinema. Além de "O Último Imperador", a música de "O Céu que Nos Protege" (1990), também dirigido por Bertolucci, foi composta por ele. Seus trabalhos para o cinema somam dezenas de filmes, dirigidos por grandes nomes como Brian De Palma e Pedro Almodóvar. Em relação ao Brasil, ele declarou sua admiração por Tom Jobim, mas também colaborou com Caetano Veloso.

Sakamoto nasceu em 1952 e morreu vítima de câncer aos 71 anos.

Com ele, nos aproximamos do Japão contemporâneo compreendendo melhor a passagem da tradição para a modernidade, numa aproximação intensa e criativa do oriente com o ocidente. Na galeria do século 20, ele certamente ocupa uma posição eterna como um dos criadores de novos conceitos musicais, com composições que nos sintonizam entre a tensão e a delicadeza de uma cultura luminosa como o nascer do sol.