Londrina deve preservar seus espaços verdes: vale é vida
Mesmo com a experiência dura no RS, com as enchentes, a lição de antigos urbanistas ainda não foi aprendida pelos novos
PUBLICAÇÃO
sexta-feira, 20 de dezembro de 2024
Mesmo com a experiência dura no RS, com as enchentes, a lição de antigos urbanistas ainda não foi aprendida pelos novos
Celia Musilli

Nos seus 90 anos, Londrina se depara com um retrocesso histórico: a redução dos fundos de vale que, hoje, chegam a 60 metros de largura, contando as Áreas de Preservação Permanente (APPs) mais as faixas sanitárias municipais de 30 metros. Com projeto recém-aprovado pelos vereadores, e vetado na última quinta-feira (19) pelo prefeito Marcelo Belinati, depois de pressão popular, a estimativa é que a faixa sanitária teria uma redução de 8 metros.
Isso significa redução de árvores, redução de alimentos para os pássaros, redução de áreas preservadas, redução de proteção aos córregos, redução de ar puro, redução de qualidade de vida para os habitantes da cidade. Tudo em nome do quê? Dizem que de uma suposta expansão imobiliária, como se já não bastassem todas as áreas nobres, de norte a sul, de leste a oeste, serem ocupadas por construções de todos os tipos.
Londrina foi piloto de um projeto inovador nos anos 1950 quando Prestes Maia, urbanista e ex-prefeito de São Paulo, foi consultado para pensar a cidade e aproveitou os fundos de vale para uma função importantíssima: criar proteção ambiental para livrar Londrina das enchentes e preservar mananciais.
Pelo visto, no século 21, mesmo com a experiência dura e recente do Rio Grande de Sul, com as águas inundando e destruindo Porto Alegre e outras cidades, a lição que antigos urbanistas ensinaram ainda não foram aprendidas pelos novos. O que justifica isso? Responder a essa pergunta com lógica pode soar deselegante porque, sinceramente, não há explicação aceitável para tal desplante.
Hoje, em Londrina, existem áreas que são alagadas pelas chuvas. Sem a permeabilidade do solo, proporcionada pelos vales, o alagamento poderá se tornar enchente. E isso é apenas um exemplo. Não é de hoje que Londrina não cuida de suas áreas verdes. Mas as reduções previstas neste projeto assustam pelo despropósito e a coragem de quem o propõe e o aprova sem projetar o futuro, quem dirá o presente.
É preciso equilibrar o meio ambiente com as ações humanas.
O Brasil, de modo geral, vive o "complexo de Dubai", com cidades que medem seu desenvolvimento por prédios cada vez mais altos. Uma ostentação dispensável num país que tem espaço e natureza exuberantes. O Balneário Camboriú é um exemplo vivo da corrida pela ostentação. Pontos da praia não recebem mais sol devido à altura dos prédios e faixas de areia foram "engordadas" para retomar o que seria natural, mas foi tragado pela falta de consciência ecológica.
Num momento em que os edifícios são projetados segundo um conceito de valorização da natureza, com vistas esplêndidas e materiais determinados por um "conceito ecológico", esse propósito deveria ser verdadeiro em relação ao que está no entorno. A redução dos vales trabalha contra o que é ecologicamente aceitável. O bom marketing deve corresponder também à realidade.
Embora já aprovado, o projeto foi vetado pelo prefeito, mas o veto ainda será analisado pelos vereadores, a previsão é que a votação aconteça neste sábado (21). Espera-se que as autoridades responsáveis, mesmo na transição do poder municipal, reflitam sobre os benefícios e a beleza dos fundos de vale.
Uma cidade projetada sob os auspícios da modernidade não pode negar sua origem feita de consciência ambiental desde os primeiros passos no progresso.
Londrina , definitivamente, não pode abrir mão de suas áreas verdes que protegem a cidade e são o seu cartão-postal.
Vale é vida!

