A primavera, que começa neste sábado (23) no Hemisfério Sul, já foi a estação idílica na qual todo mundo se lembrava das flores, só das flores.

Este ano, o "pacote da primavera" chega com um problema previsível, o aumento da temperatura em até 5 graus, o que torna mais quentes os nossos dias mesmo aqui, na região de Londrina. As notícias que chegam não são mais sobre a distante Antártica, onde as geleiras derretem há algumas décadas sem que a maioria da população global se preocupe. Mas o calorão de 40 graus ou mais incomoda e, entre o suor e a queda de pressão, já tem quem esteja sentindo na pele o que os pinguins sentem há bastante tempo.

LEIA TAMBÉM:

Sinfonia urbana: dos sons abafados aos ruídos irados

É preciso aumentar o volume para ouvir o grito dos professores


E qual será nossa resposta a essa "revolta do clima" que inclui mudanças nas correntes marítimas e no regime de ventos, incluindo os ciclones que se configuram mais fortes no sul do Brasil como uma verdadeira tragédia, com mortos e desabrigados? Continuaremos a achar que o problema não é nosso nem da mudança climática? Os negacionistas, que têm uma legião de fãs abobalhados por aí, continuarão com seus discursos, sem enxergar a necessidade de fazer mudanças para entregar um planeta ao menos habitável às novas gerações?

Quando falo em novas gerações quero dizer os meus e os seus filhos, os meus e os seus netos. Porque na casa dos 60 não tenho mais à disposição duas ou três décadas inteiras, sou realista, mas sei que meus netos estarão aqui para sentir a consumação da tragédia em sua própria pele.

Não se trata de drama nem exagero, é sempre bom conferir os números antes de achar que nossas ações erradas e devastadoras do clima "não são nada" e que este papo é coisa de "alarmistas", como chamam os ambientalistas que pesquisam muito para não dizer bobagens.

Segundo o Painel Internacional de Mudanças Climáticas (IPCC, na sigla em inglês), nos últimos 270 anos, a humanidade liberou 1,5 trilhão de toneladas (isso mesmo!) de gás carbônico (CO2) na atmosfera.

O gás forma uma camada que segura o calor no planeta, causando o tão falado (e ignorado) aquecimento global que causa grandes desastres ambientais, dos quais estamos sentindo ainda, aqui no Brasil, uma pequena fração do que pode ser muito mais devastador.

As plantas são responsáveis por capturar o gás carbônico, daí a importância vital das florestas, mas elas já são afetadas por volumes estratosféricos do CO2, que atingem também as lavouras e a qualidade dos alimentos.

Além disso, é preciso por na conta a quantidade excessiva de herbicidas pulverizados sobre as plantações. A nuvem de veneno de hoje anuncia a tragédia de amanhã, sem contar que o hoje já sinaliza grandes problemas para a saúde pública tendo em vista a contaminação agrícola.

Sob este aspecto, é preciso ressaltar que o Brasil tem comemorado a queda no desmatamento, mas se não mudarmos o modelo econômico que nos põe na vanguarda da exportação de commodities - grãos, carnes etc- os esforços serão pequenos perto dos estragos.

Que nesta primavera, as temperaturas altíssimas de norte a sul - a temperatura máxima já beira a 45º em algumas regiões - sirvam de último alerta para a necessidade de mudanças gradativas no modelo econômico. Que os olhos dos que só enxergam cifrões aprendam a "ler" o clima para saber que é possível produzir (e lucrar) com sustentabilidade, em vez de eleger a ganância para condenar netos e bisnetos a um planeta cada vez mais árido e mais pobre. O galope do capitalismo - pondo em risco real a própria conservação da Terra - não pode atropelar a vida. Mas isso vem acontecendo.