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. | Foto: Marcos Jacobsen

No inverno, na minha infância, pregávamos os olhos no céu à noitinha e esperávamos de tudo: desde a geada até um disco voador. O frio muda nossa percepção do infinito. Quanto mais a temperatura cai, mais aumenta a imaginação porque ficamos recolhidos. Para aquecer o corpo, café. Para a alma, histórias do frio. Não gosto do inverno, mas tenho enredos com ele. Para quem nasceu no Norte do Paraná isso é inevitável.

Bebidas de inverno: cafezinho, chá-mate, quentão. Às vezes o pai, que era paulista, preparava o chimarrão, acompanhávamos o ritual de ferver a água e derramar aos poucos sobre a erva-mate dentro da cuia. A bomba era uma joia que enchia os gaúchos de orgulho e até os paulistas.

As noites duram mais no inverno, dizia minha mãe, entusiasmada com a madrugada de 23 para 24 de junho quando acontecia "a noite mais longa do ano", pelo solstício de inverno. Minha mãe adorava acompanhar o tempo, as estações do ano, as fases da lua, tinha sabedoria instintiva para saber quando iria chover, mesmo quando o dia amanhecia sem nuvens.

As noites de inverno eram aquelas em que olhávamos o céu com mais atenção, estrelado e limpo, um prenúncio de geada que seria a atração na manhã seguinte. Então chegava a hora de olhar os telhados com uma camada fina de gelo que ia derretendo conforme o sol esquentava. Mas isso também era indício de perdas nas lavouras o que entristecia o "espetáculo" dos dias frios, com agricultores desolados contando nas cidades o que havia acontecido nos sítios e nas fazendas. Na minha infância, o forte nas lavouras era o café, do qual conhecíamos o cheiro da torrefação de longe. Tinha ainda o IBC - Instituto Brasileiro do Café - que regulava a comercialização e estocava pilhas de café comprados pelo governo. Os armazéns do IBC eram catedrais de sacas e grãos.

Depois vieram as indústrias de café solúvel, a Cacique em Londrina, a Iguaçu em Cornélio Procópio, onde nasci. O cheiro estonteante do café industrializado era típico, com a produção seguindo até de madrugada. O cheiro adocicado do produto era o cheiro da mudança para a modernidade.

Na geada de 1975, uma data épica, os cafezais amanheceram queimados pela geadas de 18 de julho. Lá se vão 46 anos desde aquele dia em que o Paraná parou. No céu, aviões do governo vieram inspecionar as lavouras perdidas. As perdas não atingiram só os agricultores, foi sentida por toda a população, o Norte do Paraná nunca mais seria o mesmo. Da cafeicultura que demandava colonos, sobraram sítios e fazendas sem trabalhadores que migraram na marra para as cidades, tornando-se bóias-frias. Veio um período de pobreza urbana, acidentes graves matavam trabalhadores que iam e vinham nas carrocerias dos caminhões para colher algodão. O fim do ciclo da cafeicultura foi o início de uma separação incisiva entre campo e cidade.

Vieram o trigo e a soja prometendo novas farturas que cada vez menos pessoas aproveitaram. Ainda hoje, quando vejo um campo de soja em seu ciclo curto, lembro dos cafezais que cresciam nas mesmas terras. Em julho de 1975 fui ver de perto a lavoura de café queimada num sítio próximo a Londrina. Naquele dia, a ida para a zona rural não foi uma aventura, foi a constatação de que alguma coisa havia mudado definitivamente no Norte do Paraná, onde vi o café florescer e dar grãos durante décadas. Aquelas grandes plantações tinham a sedução de um balé, com homens e mulheres - com seus chapéus e peneiras - coreografando uma vida inteira que se foi com a grande geada.