Natal é tempo de esperança. Não quero tirar a esperança de ninguém, mas não me sinto otimista. Estou mesmo com um sorrisinho amarelo nesta festa.

A situação mundial é muito grave, acho que piorou em 2023, e àqueles que dizem: "e o que isso tem a ver comigo?", não custa lembrar que não somos um núcleo fechado em nossa própria família, nossa vizinhança, para se importar apenas com nossos amigos e parentes. Ou nem isso.

Viver é um exercício de relações, os embargos econômicos nos afetam. Mais que isso, os embargos afetivos machucam.

A ferida criada por duas grandes guerras doem mesmo em quem está a milhares de quilômetros de distância. Ou deveria doer, se não estivermos "embargados." Dói saber quantos jovens russos e ucranianos perderam a vida neste ano, coloco-me no lugar das mães e pais, a quilômetros de distância - ou aqui mesmo, onde jovens perdem a vida nas periferias - e consigo sentir a dor gerada pela estupidez humana na guerra urbana ou entre nações.

Dá para pensar apenas em sinos, luzes, Papai Noel e renas, abrindo um sorriso de satisfação com parte do mundo aos pedaços? Só consigo manter meu sorrisinho amarelo.

Aí vem a tragédia na Faixa de Gaza, onde milhares morrem cotidianamente em nome de ideologias que carregam junto, vejam só, o nome de Deus e das religiões.

Outro dia vi na TV rostos de crianças palestinas queimados por estilhaços de bombas, corpos de mulheres soterrados, homens desmembrados sob ataques, tudo isso me tira qualquer apetite pela "alegria do Natal". Sinto muito.

Sinto muito por tocar nas feridas como se tateasse o rosto das crianças palestinas sem água para beber, na tentativa de cicatrizar os cortes no espelho da realidade humana mais cruel.

Também me dói - como não? - a perda da vida de centenas de jovens israelenses que tiveram a alegria sequestrada numa festa pelo Hamas. Penso que, neste ano, o grito de dor tomou o lugar da música.

Quem dera o mundo pudesse ser plena festa, quem dera fossemos todos dionisíacos sem as religiões contritas que exigem véus negros, numa celebração que só pede vinho, prazer e felicidade. Mas também sequestraram há milênios a felicidade de simplesmente existir sem pecados, cumprindo nossas catarses para não sermos apenas a espécie das tragédias.

Na terra por onde andou Jesus, hoje os sinos não dobram pela alegria do Advento. Dobram pelo pavor da morte.

Para completar o drama, além das guerras, minha consciência aponta para os desastres climáticos, o derretimento das geleiras em partes do globo onde até os pinguins se encontram em extinção, símbolo da destruição em massa. E penso no avanço do mar e nas inundações, aqui bem pertinho, no sul do Brasil, e na seca histórica da Amazônia. Penso nas queimadas que consomem o Cerrado sem que a humanidade sinta-se parte da tragédia, olhando para seu "umbigo familiar."

Termino o ano com a constatação de que o mundo está acabando. Sempre está acabando, mas há períodos em que o drama é acelerado por ações humanas.

Penso que se Jesus caminhasse hoje por Israel e a Palestina não estaria feliz com os destinos do seu povo. E quem há de me tirar a razão se não festejo com sinos, cantos e renas, o Natal que se transformou também na grande celebração do consumo?

O mundo deveria desacelerar, parar as guerras, contribuir para a solução do clima, só assim teríamos de fato a esperança que foi sequestrada na contrariedade dos preceitos do próprio Cristo. Daí a razão do meu sorrisinho amarelo. Não sou Pollyana. A dor do outro é minha.

Feliz Natal, quando houver futuro!

* A opinião da colunista não reflete, necessriamente,a da Folha de Londrina.