Penso muito nas mães que perderam seus filhos. Quando são minhas amigas, acompanho a dor e o luto em diferentes fases e percebo que o impacto inicial cede um pouco com o passar do tempo, a dor, nunca.

Penso nas mães e pais que neste 2 de novembro vão se lembrar dos filhos mortos. Penso naqueles que, além do Dia de Finados, cotidianamente sentem a falta do sorriso que nunca mais viram, da presença que irrompia as portas, dos que guardam livros e roupas, o material escolar, o chaveirinho como lembrança, dos que nunca apagaram a última mensagem dos filhos no whats, dos que revisitam quartos todos os dias e choram sobre camas vazias.

Eu que tenho dois filhos moços, peço a Deus que só partam depois de mim. É o ciclo natural das gerações, porque dói muito perder pai e mãe, dói mais ainda perder filhos precocemente.

Nesses dias que antecedem Finados, vejo nas redes sociais a mensagem daquela que guardou a rosa de plástico, presente do filho que, acredito, sabia que iria partir - estava muito doente - e deu à mãe a flor que nunca pereceria e para a qual ela poderá olhar até o fim da vida, se lembrando dele.

Penso naquela que resgata mensagens virtuais do filho morto e as compartilha numa demonstração de quanto amor e admiração tinha pelas ideias de quem se suicidou em consequência de uma doença grave. Penso em quantas orações essas mães fizeram pela saúde dos filhos, quanto amor teceram à sua volta na ânsia de que se recuperassem. Penso naquelas que se ofereceram para sofrer no lugar dos filhos – sim, mães fazem isso, eu já fiz – e acreditaram que poderiam recolhê-los de volta ao útero para que renascessem com saúde.

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. | Foto: Marco Jacobsen

Penso nos pais e mães que perderam filhos em acidentes, que receberam dilacerados a notícia depois que tudo estava consumado e sem volta. E, mesmo assim, tiveram que identificar e velar seus corpos, enterrá-los e, para sempre, revivê-los no cotidiano sentindo sua falta porque perderam um elo insubstituível.

Penso nas mães que não dormem sem antes pensarem na saudade que sentem de Filipe e Pedro, de Juliana e Lorena, moços e moças cheios de vida que partiram, crianças que nunca alcançaram a mocidade.

A morte mantém seu mistério, no fundo nunca entenderemos como os corações repentinamente param. Quando isso acontece acabou-se, é uma cortina que desce sobre a vida e o lado de dentro, que não enxergamos, será sempre motivo de perguntas para as quais não temos respostas.

Eu, que já perdi pai e mãe, só posso testemunhar que na hora da morte Deus se levanta como único consolo possível. É para Ele que voltamos a nossa dor e, se acreditamos, haverá uma resposta que transcende a vida física, porque a eternidade é transcendência. Haverá um curativo para o corte invisível que sangra.

Os que se agarram à vida material terão outros tipos de consolo: a voz amiga, o abraço de um parente, o carinho dos filhos que ficaram e sinalizam que ainda há vida pela frente. E, depois dos filhos, os netos e os bisnetos, numa sequência que alivia o peso da morte e demonstra que a vida segue e os corações aos poucos se refazem.

Minha reflexão sobre a morte vem dos anos de convivência com uma família grande, na qual inexoravelmente muitos perderam pais e perderam filhos. Lembro-me da tia que ficou sem o seu primogênito, levado pelo câncer aos 12 anos, ou daquela cuja filha faleceu aos 9, vítima de encefalite. Traumas de infância, traumas de família que aos poucos se convertem em lembranças. Penso em todos eles neste Dia de Finados e acredito que só o tempo é capaz de tecer de novo a esperança em corações dilacerados.

Sinto um profundo respeito por todas as lembranças dos pais que perderam filhos, dos filhos que perderam pais, e desejo que o sentido da transcendência, que indica que nem tudo termina após a morte do corpo, os console neste dia delicado, cheio de memórias e flores.