Em março, quando a quarentena era ainda anunciada, fui ao cinema num sábado e escolhi o filme “Retrato de Uma Jovem em Chamas”, em cartaz no Cine Com-Tour, como uma despedida antes que o isolamento começasse pra valer.

Intuitivamente, sabia que dali em diante minha diversão preferida aos fins de semana não seria mais possível e, tomada por uma sensação de perda, assisti a uma sessão com poucas pessoas de um filme excelente, dirigido por Céline Sciamma.

Muitas vezes estive naquele cinema cuja programação de excelência deveu-se em grande parte ao trabalho de Carlos Eduardo Lourenço Jorge, que é também colunista da FOLHA.

Há pouco tempo, vi a sala lotada para a exibição de “Parasita”, de Boon Joon Ho, que ganhou o Oscar de Melhor Filme, entre outros prêmios, e manteve em Londrina uma excelente performance nas bilheterias, a ponto do Cine Com-Tour dobrar sua exibição.

O Cine Com-Tour, mantido pela UEL (Universidade Estadual de Londrina), foi um grande acontecimento em 15 anos de programação de filmes de arte, categoria que nem sempre atrai o público por razões evidentes. O grande público quer blockbusters, quer ver "Velozes e Furiosos" em até nove versões, não tem muito interesse em filmes artísticos, delicados e mais densos. Mas no caso do cinema de arte o que conta não é a quantidade, mas a qualidade, artigo em falta no varejão da cultura.

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. | Foto: Marco Jacobsen

O receio é que a falta de condições financeiras, como no caso da UEL que perdeu 40% da sua receita na crise, atinja outros segmentos. Neste caso, estaremos cada vez mais pobres culturalmente e abalados naquele nosso orgulho de pertencer a uma cidade que entrou há décadas para o mapa das artes no Brasil e hoje vê seu potencial definhar por falta de condições estruturais.

A cidade, o poder público, a iniciativa privada, os artistas e os agentes culturais precisam rever isso urgentemente, o cenário de encolhimento não se deve exclusivamente à crise da pandemia, antes disso, já havia ameaças de extinção.

Outro baque foi a perda da Vila Cultural Cemitério de Automóveis, que também fechou as portas ao perder o convênio com o Promic – Programa Municipal de Incentivo à Cultura. O “espírito” da Vila continua, como se observa na fala de sua coordenadora, Christine Vianna, em entrevista à FOLHA. Com a perda do espaço, por falta de dinheiro para a manutenção, ela está em busca de outras parcerias, mas sabemos que a tarefa de manter viva a chama de uma Vila dedicada à literatura em Londrina não será fácil, ainda mais quando uma pandemia sabota os planos.

Com menos vilas culturais e sem um cinema, além de toda uma agenda de espetáculos e shows ao vivo cancelada pela pandemia, ficamos mais pobres enquanto comunidade criativa e irradiadora de cultura, lugar que Londrina ocupou de forma sensível e inteligente nas últimas décadas.

Vivemos um retrocesso dolorido que se aprofunda quando penso, por exemplo, nas luzinhas coloridas do Cine Com-Tour abrindo ou encerrando uma sessão. Fica na lembrança um filme com final infeliz e reflito: já vimos esse filme antes? Sim, em momentos obscuros de triste memória.