O abandono dos equipamentos culturais de Londrina tem sido assunto de pautas e rodas de conversa. Não apenas na gestão de Bernardo Pellegrini, como na gestão anterior, de Caio Cesaro, as queixas se acumulam, sem soluções que possam devolver de vez o Museu de Arte de Londrina - MAL - e o Teatro Zaqueu de Melo aos londrinenses. Isso sem contar outros espaços como o Teatro Municipal inconcluso e o Anfiteatro do Zerão que não está sob a administração da Cultura, mas aguarda há anos uma reforma que parece sem futuro.

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Não seria exagero afirmar que o Museu de Arte está completando 30 anos sob riscos. No seu Jubileu de Prata, em 2018, matéria na FOLHA , feita pelo repórter Vitor Ogawa, já dava conta do desplante de um prédio histórico ter ficado por anos à deriva, até passar por uma reforma e ser novamente fechado em 2019 pela falta de instalações adequadas e requisitadas pelo Corpo de Bombeiros.

Sabem lá o que é ter na cidade um prédio-monumento de Vilanova Artigas com problemas hidráulicos e elétricos sem solução há anos? Sem ar-condicionado para climatização adequada? Sem mobiliário expositivo que sirva ao propósito de ser, afinal, um Museu?

O valor de uma obra dessas é muito maior que o trabalho eterno de recapeamento das vias, a criação de novas praças - também sujeitas aos maus tratos, após a euforia das inaugurações -, a instalação de totens do pânico que "falam sozinhos" nos espaços públicos. Tudo muito necessário, mas tendo em vista tantos gastos, o que significam cerca de R$ 2 milhões para a reforma completa do Museu, para uma classe política - incluam-se aí nossos nobres deputados - que lida com milhões reservados a campanhas eleitorais? Será que um prédio de Artigas vale menos que os comícios animados, os palanques, os "santinhos"despejados nas ruas ou a decoração de Natal? A quem pedir uma "emenda no orçamento" que valha nosso orgulho e nossa vergonha de pertencer a uma cidade tão rica em possibilidades e tão pobre para algumas realizações? Londrina, segunda maior cidade do Paraná, tem deixado seus prédios históricos abandonados. O Teatro Ouro Verde - sob a gestão do estado - teve que sofrer um incêndio trágico para ser restaurado ou praticamente reconstruído.

ABANDONOS QUE SE ARRASTAM

Em 2021, o Museu de Arte de Londrina foi o primeiro prédio do norte do Paraná tombado como Patrimônio Cultural do Brasil pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan) , mas permanece como um morto-vivo que rebate a luz do sol nas tardes solitárias, com as portas fechadas, sem visitação. Vão longe os dias de ocupação de suas salas por mostras e artistas, vão longe os dias de visitação dos alunos das escolas públicas ou da ocupação de sua parte externa por eventos como a Festa Nordestina, realizada em outra gestão de Bernardo Pellegrini, que deu ao local uma concepção apropriada de "museu vivo".

Ainda no centro de Londrina, outro prédio público padece: o Teatro Zaqueu de Melo foi palco de antigos festivais, tablado de grupos de teatro emergentes que criavam, na marra, condições para ocupar seu espaço no mapa cultural do Brasil. E ocuparam! Em parte sob a guarda do velho Zaqueu, um teatro pequeno e aconchegante até mesmo quando rangia seu chão de madeira, enquanto dezenas de crianças batiam os pés em mais uma apresentação do FILO.

Pais iniciaram a formação cultural de seus filhos naquele pequeno teatro que há seis anos, por falta de verbas e dotações orçamentárias, permanece fechado, sem público, no coração de Londrina, à espera de recursos solicitados pela Secretaria de Cultura que nunca são liberados, num adiamento que parece sem fim.

Não se pode afirmar que nada caminha em Londrina. A Biblioteca Pública foi recentemente reinaugurada depois de atrasos nas obras, mas o Teatro Zaqueu de Melo permanece como alvo de críticas, enquanto se aguarda o orçamento que prescreve, a licitação que escapa, entre inúmeros trâmites nas secretarias de Planejamento e Obras. Definitivamente, a burocracia é inimiga da arte, ou a Cultura não estaria num jogo de empurra-empurra, com o pires na mão.

E A COMUNIDADE CULTURAL?

Por outro lado, a própria comunidade cultural de Londrina deveria lutar e reivindicar o funcionamento desses espaços, em vez de se preocupar apenas com os recursos para projetos individuais ou coletivos inscritos no Promic - Programa Municipal de Incentivo à Cultura - que tem dado muito à cidade, mesmo com verbas restritas. Ter teatros e museus públicos funcionando faz parte da vida artística. Se a obtenção de recursos para projetos individuais provoca tantas discussões, por que não se organiza um movimento para acelerar a recuperação dos espaços que todos poderão utilizar para apresentações e mostras sem aluguéis caros? Ou os equipamentos não merecem a atenção coletiva dos artistas e produtores culturais? As autoridades são mais atentas aos prazos quando há vozes se manifestando pelas demandas. Sem vozes não há movimentos nem pressa.

O que dá medo é a assombração da privatização dos espaços públicos, um fantasma que paira nos sótãos dos governos quando um bem é tão sucateado que a única resposta política para sua recuperação passa a ser "privatizar para sobreviver".

O Patrimônio Histórico e Cultural não é formado apenas por prédios, mas memórias, afetos, vivências passadas e vivências futuras que não podem ficar na antessala dos trâmites que atrasam por anos, e até décadas, sua restauração para usufruto da população à qual eles pertencem, independentemente de gestões.

Quando alguém assume um cargo político, uma prefeitura, uma secretaria, costumamos perguntar: "quais são seus planos?" Na saída, costumo perguntar: "qual foi a sua frustração?" Quando as pessoas são honestas, competentes, mas lhes faltam meios para fazer o que precisam, a pergunta não é "por que não realizam?" Mas "por que estão sendo impedidas de realizar?" As respostas, nem sempre diretas, estão nas entrelinhas do jogo político e na ponta da língua dos museus fechados, dos teatros empoeirados, para quem quiser ouvir.

* A opinião da colunista não reflete, necessariamente, a da Folha de Londrina.