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. | Foto: Marco Jacobsen

A vitimização é um traço recorrente no Brasil. O problema é que quase sempre o algoz se transforma em vítima e ganha simpatias. No último domingo (11), vídeos divulgados pela ex-mulher do DJ Ivis, Pamella Holanda, tomaram as redes mostrando um caso de violência doméstica explícita. São chocantes as cenas feitas por uma câmera interna da residência do ex-casal mostrando o DJ estapeando a mulher que, mesmo caída ao chão, leva pontapés. Numa das cenas mais agressivas, ela está com sua bebê no colo, de apenas 9 meses, e o marido avança sobre ela para estapear, sacudir, agredir, sob o olhar complacente da própria mãe de Pamella e de um amigo do casal, em situações que comprovam que a agressão era vista como normal pelos mais chegados.

Nas redes sociais do DJ Ivis, os fãs repetiram a complacência com a agressão de um homem contra uma mulher, aumentando significativamente o número de seguidores do macho violento de 724 mil, antes dos vídeos virem a público, para perto de um milhão depois das cenas chocantes.

É comum no Brasil o agressor se transformar em herói e a responsabilidade pela agressão e até pelo estupro recair sobre a mulher. São conhecidos os argumentos esfarrapados que pretendem tirar a culpa do homem sobre crimes hediondos e abusos. "Ela usava uma saia muito curta" , "andava sozinha à noite" ou "sempre foi provocante" são frases do julgamento chulo que muitas pessoas dirigem a mulheres violentadas, sem refletir muito se poderiam ser sua própria irmã ou filha.

O ramo da vitimização do algoz também também faz sucesso na política, quando os mandatários exploram a própria doença para constranger opositores e ganhar a simpatia de mais seguidores nas redes. Esta semana, quando o presidente Jair Bolsonaro foi encaminhado a um hospital de São Paulo para tratamento de uma obstrução intestinal, seus marqueteiros trataram de fotografá-lo antes no Hospital do Exército, em Brasília: descamisado, acoplado a equipamentos médicos, fragilizado, lá estava ele para dizer às câmeras que luta pelo Brasil e que haveria de vencer mais este desafio, com o cuidado de responsabilizar numa mensagem o PSOL e o PT pela facada que levou em 2018 de Adélio Bispo que, como se sabe pelas investigações, tem problemas mentais e agiu sozinho.

No território da política brasileira faz tempo que vale tudo! Foi-se o período em que as doenças das lideranças eram tratadas de modo discreto e ex-presidentes, como Tancredo Neves, tinham fotos publicadas quando podiam passar a impressão de saúde. De Tancredo, pouco antes da morte, lembro-me de uma foto no hospital, de banho tomado, barbeado, vestido com um roupão para passar esperança ao povo brasileiro. Em outras, vê-se o presidente em tratamento, mas nunca se viu Tancredo descamisado, a dignidade do paciente valia mais do que um empurrão para as urnas.

Faço votos que o presidente da República se recupere, inclusive para responder por seus atos. Ao contrário dele, não vou zombar da doença, da morte, da falta de ar nem dos soluços ou da asfixia. Mas não deixo de registrar que no país do sinal trocado, algozes se transformam em vítimas num piscar de olhos, entre um clique e os algoritmos que fazem disparar o número de seguidores incautos ou alienados.