Nos sentimos tristes quando as linhas do passado se transformam num novelo de lembranças, mas são só lembranças, daquelas que tem músicas de fundo que levam a um lugar do sótão. Todo sótão tem na porta uma tabuleta invisível onde está escrito: “Passado”, que é um tempo que não se reedita e deve permanecer no sótão, onde nem sempre se fazem boas visitas. Nunca gostei de reencontrar pedaços de bonecas, nem velhos casacos, nem vidros vazios como a brincadeira que evaporou. Não sou do tipo que tem prazer em voltar a lugares antigos, cidades que habitei e evito algumas fotografias que me parecem a vida presa nas molduras.

Nos sentimos tristes quando enxergamos o futuro como uma moedinha que cai no chão , sem que a gente consiga adivinhar se vai dar cara ou coroa. O futuro é um tempo sem controle. Vocês diriam: “Que bom!” Eu compreenderia. Mas há a angústia inevitável do desconhecido, no movimento da moeda que rola uma sorte bem mais arriscada do que a de um jogo da infância, no qual perdemos chicletes ou, no máximo, algumas figurinhas.

O tempo é sempre um desafio para quem busca a felicidade. Porque o tempo é um cavalo veloz.

O que me intriga são estes flashes involuntários entre o passado e o futuro. Eu que desejo colar na banda do presente e aspirar cada molécula de ar como se fosse a única. De quantos momentos únicos são feitos nossas vidas? Um flash na penumbra e meus olhos anoiteceriam num hotel, na sacada que se abria sobre a cidade, com nossas silhuetas suspensas como dois pássaros.

Neste instante, sinto saudades de um compartilhar de poemas e também das cenas mudas de quem escreve perguntas e respostas a 500 quilômetros de distância, subvertendo o espaço. Mas o que fazer com o tempo?

Tenho medo do silêncio quando estou longe das pessoas que amo e não há palavras. Mas amo o silêncio quando estou na sua presença, porque há duas espécies de silêncio: o mutismo das coisas perdidas e o indecifrável das coisas intensas, quando dispensamos frases e mergulhamos na contemplação.

Entre as linhas do passado e as moedinhas que rolam, só desejo algumas cenas. Podemos reeditar o filme dos pássaros na varanda? Há uma imagem que quero refazer pela delicadeza daquela suspensão do instante em que o silêncio fala e eu escuto o que nunca ouvi antes.

Só tenho saudades da poesia que ressoa.

* A jornalista Célia Musilli está em férias, esta crônica foi publicada originalmente em 27 de dezembro de 2009.

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