Na segunda-feira, a notícia chegou como uma ferida e se instalou no meu peito o dia inteiro. Trabalhando há anos com as notícias nos acostumamos com as coisas muito ruins, com as mortes por incêndios ou chuvas excessivas. Mas há momentos em que a informação sai do terror cotidiano e se instala como um fato que sentimos na própria pele, um evento fúnebre na vizinhança, uma violência contra o gênero ao qual pertencemos como mulheres.

A notícia da morte da bailarina Maria Glória Poltronieri Borges, de Maringá, chegou pelas redes sociais e foi tomando a forma do rosto dos amigos chorando, dos comentários de quem a conheceu e a considerava uma presença vibrante e luminosa.

Eu não a conheci. Mas não foi a primeira vez que, como mãe, senti a dor de uma família que perde uma filha. Uma perda aterradora pelas condições de violência contra uma mulher que é mãe, contra uma mulher que é irmã, contra uma mulher que é amiga ou simples conhecida de outra mulher, não importa.

O que dói é imaginar a fragilidade de uma moça que sai a passeio e não volta.

Perder uma filha como Maria Glória é uma dor que afeta a todos os que têm filhas e filhos, todos os que, cotidianamente, vivem sobressaltados pelas notícias. Duro é deparar-se com uma situação que não pode ser vista como acidental, mas premeditada, como a morte de uma moça de 25 anos que saiu a passeio e não voltou.

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. | Foto: Marco Jacobsen

Morrer a caminho de uma cachoeira, onde nos banhamos para sentir a liberdade, sem rotina, sem horários, como um pássaro que brinca na água, é um fato que contraria toda afetividade. Matar alguém a caminho de uma cachoeira, entre as árvores, com o cheiro da terra e o possível voo de uma borboleta, é assassinar toda benevolência, toda preciosidade de um momento que era para ser um encontro com a vida e se consumou como um encontro com a morte.

Com a perda de Maria Glória, que não conheci, tomo a consciência de que dezenas de mulheres foram assassinadas no Paraná nos últimos seis meses. Marias e Joanas, Lúcias e Denises, solteiras e casadas que, quase sempre, tiveram seus ex-namorados e maridos como seus algozes. A cada mulher que morre de forma violenta, acende-se no interior de nós, também mulheres, o desejo de lutar pelas nossas escolhas, sem que um macho ressentido dê-se ao direito de impedir um ato, um gesto, um novo roteiro, a mudança de script no qual os que se sentem donos da vida feminina não cabem.

O assassinato é forma mais cruel de ressentimento, um tipo de inveja que cala pela força o que lhe escaparia de modo livre. Há homens que não suportam mulheres nem pássaros, criando gaiolas reais ou simbólicas, prisão do corpo, dos sentimentos que mesmo tolhidos têm asas.

Junto com Maria Glória morrem um pouco todas as mulheres que dançam para se expressar de corpo e alma. Junto com ela morrem as coreografias da sombra e do sol, entre as árvores, naquele último sábado. Morrem os movimentos e os passos. Morrem as mulheres que ousam escolher caminhos para se banhar. Que Maria Glória siga em paz convertida em luz. Quanto a nós, o caminho é a luta pelo direito elementar à vida num dia de sol.