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. | Foto: Marco Jacobsen

Era uma árvore sem muita nobreza, daquelas a que chamamos Santa Bárbara e que, ludicamente, derramam "bolinhas" na calçada.

Nos últimos doze anos a vi da janela. Não era velha, a julgar pelo diâmetro do tronco, era como uma dessas moças espevitadas que crescem além da conta, oferecendo sombra a quem procura sua companhia.

Muitas vezes, da janela do meu quarto, agradeci àquela árvore por proteger a casa do movimento da avenida, da vista do asfalto, do trânsito ininterrupto, dos carros feios e dos homens sérios. Ela era um reduto de pássaros e de poesia.

Na terça-feira vi pela última vez seus galhos encobrindo parcialmente a lua e pensei como quem recebe um aviso: ''Tomara que nunca cortem esta árvore''. Ao mesmo tempo em que refletia ''não sou sua dona'' e me inquietava pelo seu destino.

Na quarta-feira, ali pelo meio-dia, percebi um movimento diferente a uns cinquenta metros da janela, onde um terreno baldio me separava da árvore que começava a ser preparada para o sacrifício. Vieram os homens da prefeitura, com seus uniformes, seus equipamentos e uma ordem expressa: ''Cortem a árvore''. Tentei um diálogo: ''Mas quem pediu para que seja cortada?'' Disseram: ''O dono do terreno, vai construir''. Fiz um gesto explicando que intercederia por telefone e, como de praxe, encaminhei meus protestos às seções competentes, onde os argumentos são sempre técnicos e frios. Nesses casos, os decretos de morte são irrevogáveis e não há defesa que paralise funcionários, caminhões, machados, serras elétricas e cordas, tudo bem colocado para derrubar a árvore comum, a que não tem nobreza nem espécie que mereça algum tipo de exceção.

Primeiro amarraram seus galhos, para que não caíssem sobre as pessoas quando recebessem os golpes. Fragilizada, mas ainda alta e enfolhada, ela balançava ao vento o que sobrava, exibindo aos poucos uns cotos onde existiram braços. Um golpe, dois golpes, cem golpes e já não existiam galhos, nem folhas, nem ninhos. Ela agonizava transformando-se de árvore em tronco, duro e seco, como a paisagem dos desertos que rendem tristes fotografias. Sua vivacidade cedia ao espectro de uma imagem melancólica. Lembrava um espantalho, quem sabe um ser humano apavorado com as lâminas, as cordas, o guindaste que levantava seus membros fracionados, até exibir no ar o núcleo do tronco, como um coração.

Não contentes, os homens a reduziram a pedaços que recolheram sobre o caminhão para virar lenha. Em três horas havia uma árvore a menos na paisagem onde o asfalto queimava e o lago brilhava mais intensamente, como se o fogo tomasse a terra de repente. O bairro ficou mais triste. Nos golpes finais evitei olhar pela janela. Por doze anos tive a companhia de uma portentosa Santa Bárbara que, na véspera do corte, despediu-se encobrindo parcialmente a lua. Não tenho outra explicação para aquele pensamento: ''E se cortarem a árvore?'' Meu receio era a intuição da partida, como se homens e árvores, enfim, se comunicassem.

* Crônica publicada originalmente em 2010.