O tempo fazia sentido até o homem subverter o tempo. Quero dizer que não somos mais regidos pela noite e o dia, como nossos ancestrais, tampouco pelo relógio criado em 725 d.C., em seu primeiro modelo. Isso ocorreu quando um monge budista, chamado Yi Ching , fabricou o primeiro relógio mecânico , ele funcionava com um conjunto de engrenagens e 60 baldes de água, correspondentes aos 60 segundos que compõem um minuto.

De lá para cá, o tempo não funciona mais como antigamente. Há quem não durma mais pensando que precisa acordar, há quem perca a calma porque não aguenta esperar o momento da diversão. Há quem chegue cedo demais para um verdadeiro encontro.

Já vi pessoas que consomem o tempo, sempre adiantadas. Tive uma vizinha idosa que ficava em frente ao prédio até duas horas antes da filha chegar de viagem. A filha, aeromoça, avisava a mãe que o voo chegaria às 10h, mas ela já estava na portaria desde 8h, repetindo: "Minha filha vai chegar". Eu achava triste a situação, mas quem poderia livrar uma senhora de 80 anos da ansiedade acumulada em uma vida inteira?

No jornalismo, somos presas da ansiedade. Mas como falar hoje em "furo" se nas redes sociais pessoas, com menos compromisso com a informação, divulgam em segundos a morte de alguém sem a menor consideração pelos detalhes? Não podemos escrever: "Fulano morreu", ponto. Para ser notícia temos que saber: morreu de quê? Onde? Quando? Será velado? Sepultado em que horário ou cemitério? Isso é a informação básica a ser apurada antes de informar que "fulano morreu", ponto.

Aí, questiono onde estará aquele velho "furo", aquele do qual os jornais e jornalistas se orgulhavam? Hoje, considero "furo" o que for inédito, criado em reportagens investigativas, por exemplo. Já na divulgação corriqueira não há "furo", só quem deu antes ou depois o que todo mundo já sabe, pelo menos pela metade.

Hoje, a correria tem nome: ansiedade, que é a expectativa gerada pela angústia de um fato não se dar de acordo com nossas exigências.

Tomo como exemplo os autores, compositores, artistas que querem "lançar" uma obra, no mínimo, um mês antes do acontecimento. Se publicamos antes, para contentar a ansiedade dos autores, o leitor sequer se lembrará da notícia no dia que realmente interessa. Se cedermos à ansiedade alheia, teremos trabalho dobrado informando antes e depois, na data certa.

Alguns autores, antes mesmo de usufruírem do prazer do trabalho concluído - seja um livro, um disco ou um espetáculo - já acendem um alerta: "Vou fazer o lançamento no dia 10 de julho," mesmo quando ainda é 10 de maio. Acender o alerta tão cedo não significa que ele terá mais sucesso ou mais mídia. Saber dosar o tempo, passando a informação na semana em que vai acontecer o fato, é mais produtivo para quem lida com a notícia, aliás centenas de notícias, que terão espaço sem a necessidade de regar tudo com a ansiedade alheia.

A ansiedade é o mal do século, e não há Rivotril que conserte a sensação de "desrealização" de quem acha que nunca fez o suficiente, mesmo quando concluiu um livro ou uma música excelente. A ansiedade se converte na prisão dos criadores quando eles subvertem o tempo do prazer de sua própria autoria.

Já não somos regidos pelo conceito "cada coisa a seu tempo", mas pelo atropelo de publicar antes mesmo de usufruir para só depois dar usufruto ao público. Talvez a gente precise retornar ao prazer do privado, antes do midiático, mas isso não acontecerá enquanto a imagem do que criamos for considerada mais importante do que aquilo que foi criado.

Dediquem mais tempo a lamber suas crias, antes de desejar que o mundo as devore porque isso é inevitável, e está muito além da angústia de cada um, seja para o elogio ou a crítica.
LEIA MAIS:
Morre um gigante do teatro brasileiro. E agora, Zé?
* A opinião da colunista nao reflete, necessariamente, a da Folha de Londrina.