O filme 'Ainda Estou Aqui', dirigido por Walter Salles, sucesso de crítica e público com cerca de 2 milhões de espectadores, traz de volta o clima pesado da ditadura militar e também resgata antigos sucessos em sua trilha sonora.

"É Preciso Dar Um Jeito, Meu Amigo", lançada em 1971 por Erasmo Carlos, tem conquistado milhares de acessos nas plataformas de streaming. Da estreia do filme, em 6 de novembro, até o dia 18, a música chegou a crescer 455% no Deezer. Na lista "50 que Viralizaram - Brasil", do Spotify, ela também aparecia em terceiro lugar no dia 22, quando se completaram dois anos da morte de Erasmo Carlos, aos 81 anos.

Os acessos se devem ao filme que traz a nostalgia embalada por uma canção que mostra como as pessoas se sentiam ou se sentem num momento absurdo da história do Brasil no qual é preciso "dar um jeito."

Os isentões da Jovem Guarda nem sempre atentavam para a gravidade do momento político no Brasil naquele contexto, mas Erasmo já destoava compondo canções com apelos sociais e existenciais. No caso de "É Preciso Dar Um Jeito, Meu Amigo", a interpretação frequente é do sentimento de indignação diante de erros e injustiças, mostrando a importância de deixar às próximas gerações um senso de inquietude diante daquilo que precisa ser transformado.

O verso "as crianças são levadas pela mão de gente grande" reforça a ideia de deixar um legado que ultrapasse o presente para se conquistar um futuro diferente. Nada mais propício ao momento político do Brasil quando os erros do passado, dos governos mergulhados no extremismo, se espelham no presente, em atos e revelações que demonstram com clareza o quanto de risco ainda existe. Basta ver o noticiário político nas últimas semanas, envolvendo nomes de altos escalões da direita em tramas obscuras, para ter certeza disso.

A escolha da música de Erasmo Carlos para a trilha sonora de "Ainda Estou Aqui" é um marco temporal dos anos 70. Sua melancolia leva ao sentimento de tristeza que tocou famílias e grande parte da nação naquele momento, quando nem todos se conformavam com a violência política. Na trilha sonora do filme, ainda há canções de Roberto Carlos, parceiro de Erasmo, e músicas de contemporâneos do Tremendão como Tim Maia, Tom Zé, um ícone da resistência, e Gal Costa.

Além das plataformas de streaming, a composição de Erasmo Carlos também aparece nas redes sociais, com representantes da geração Z tocando a música para que o apelo de ontem ressoe no hoje. Ao piano ou ao violão, seus acordes estão nas redes em execuções caseiras, como a de meu filho Gustavo, 28 anos, numa demonstração de que ainda é preciso "dar um jeito, meu amigo".

O sentido de liberdade inspirado pela arte ultrapassa gerações, trazendo a mensagem que não pode ser esquecida: ainda que se passem décadas, há momentos em que os anos 1980 se encostam no século 21 com toda sua dor, complexidade e risco.

"Ainda Estou Aqui" está sendo aplaudido nos cinemas ao fim das sessões, em Londrina não tem sido diferente. Ainda que não leve o Oscar dos gringos, o filme já tem o nosso Oscar.