Algumas coisas ganharam importância súbita já que não podemos mais sair às ruas sem necessidade. As plantas estão entre as distrações que fazem a gente se recolher para contemplar. De casa, vejo as árvores altas do Bosque, mas uma planta em particular ganhou atenção depois que meu filho, impressionado com sua beleza, comprou no Calçadão, pouco antes da epidemia, uma muda de rosa do deserto.

Meu filho gosta de plantas e isso me deixa feliz, poderia ser um paisagista ou botânico, mas é um artista visual e acho que por isso a beleza das plantas chama sua atenção. Chegou em casa com o vaso embrulhado em jornal, com o cuidado de quem carrega uma criança. Anunciou com orgulho o nome da planta: “rosa do deserto”, achei poético, mas só passaria a conhecer melhor a planta convivendo com ela.

No início, ele não soube muito bem lidar com a rosa. Colocou em seu quarto, perto da janela, junto com outras plantas, a muda que nos impressionou pelo nome. No começo estava bonita, com dois botões quase se abrindo quando os gatos começaram a estapeá-la e as pétalas caíram como naquela música da roseira abatida por um vendaval na varanda. Nossos cuidados foram todos para o chão.

Não desistimos, mas cometemos outros erros por excesso de zelo, a planta não se adapta a muita umidade e só depois soubemos que deveria ser regada apenas uma vez por semana. Mais: precisa tomar sol todos os dias, claro, ou não se chamaria “rosa do deserto”.

A recuperação da rosa agreste demandou cuidados extras quando apareceram os primeiros fungos. Fomos em busca das receitas caseiras e corretamente ecológicas para recuperar a planta depois dela ficar muito úmida e estapeada pelos gatos.

Meu filho conseguiu receitas de fertilizantes naturais, uma espécie de compostagem de apartamento feita com cascas de banana mergulhadas em água até servirem como adubo. Por conta disso, me fez comer mais bananas, de modo que me senti um mico até que a planta, afinal, se recuperou e mostrou folhas novas. Os galhos da rosa do deserto são esguios e crescem para o alto e as pequenas folhas no meio deles nos deram esperança.

Pusemos então o vaso na janela para tomar sol a partir do meio-dia, um ritual que se tornou cotidiano. Eu tinha dúvidas se a planta aguentaria o sol que bate a oeste do apartamento pondo tudo a ferver no fim da tarde. Mas a filha do deserto gostou dos novos hábitos. Passou a agradecer com mais folhas e mais galhos e, hoje, com meu filho passando a quarentena em outra cidade, lhe envio fotos quase diárias da sua rosa que é um projeto de flor ainda.

A cada dia, uma nova folha faz nossa alegria e ele me conta que já comprou canela em pó para evitar novos fungos depois de eu ter recomendado o tabaco para a mesma finalidade, mas claro que o cheiro da canela é bem mais agradável para quem não tem o hábito de fumar cigarros ou cachimbos.

Em casa, a rosa do deserto virou uma atração. Depois de quase morrer, ela mereceu nossa atenção total, como se fosse uma pessoa que se contaminou com o coronavírus e foi salva, ali pelos 45 minutos do segundo tempo.

Essa tragédia que nos isolou trouxe também de volta hábitos que pareciam perdidos. Um deles é cuidar melhor das plantas como quem salva vidas. Outro, é ficar nas janelas como um vaso à espera da flor. Centenas de rostos, em diferentes cidades, hoje estão emoldurados por cortinas, persianas ou apenas pelo enquadre da vidraça para ver a vida lá fora que passou a ter mais valor como a vida de dentro.