O teatro é aquele espaço onde as tragédias e dramas existem para nos fazer refletir. Na primeira semana do FILO - Festival Internacional de Londrina - vimos encenações sobre as fronteiras humanas que não obedecem rigososamente a bandeiras e geografias. Vimos como os retirantes do "Estudo nº 1", do grupo Magiluth - espetáculo baseado no poema "Morte e Vida Severina", de João Cabral de Mello Neto - hoje podem ser vistos não como um fenômeno de décadas atrás, quando homens e mulheres chegavam ao sul fugindo da seca no nordeste. O retirante hoje, ou os Severinos, estão tentando ultrapassar as fronteiras do México com os EUA, criminalizados pela clandestinidade, ou podem vir de Kiribati - país da Oceânia com grandes possibilidades de ficar inabitável devido à crise climática.

A crise humanitária na fronteira do México com os Estados Unidos foi tema da performance política apresentada no festival pela atriz mexicana Violeta Luna. O tema se repete esta semana com "Tijuana", com Lázaro Gabino Rodríguez, que trata das mazelas dos 50 milhões de mexicanos que vivem com salário mínimo e sonham em ultrapassar a fronteira para viver aquele "sonho americano" fora do alcance da maioria do planeta..

Mas, na conexão das tragédias, tocou-me especialmente o espetáculo "Neva" da Cia de Teatro Armazém, que nasceu em Londrina e hoje é referência nacional. A montagem traz a opressão pelos regimes autoritários, mostrando a Rússia dos czares a partir da perspectiva de um elenco de teatro. Um drama pessoal, da principal atriz da companhia, misturado ao drama coletivo dos anos pré-revolução, nos quais, para além do palco, o sangue corria nas ruas nos embates do exército do Czar com a população.

O que me toca é que a tragédia extrapola o palco para doer na realidade, na vida que se desenrola bem aqui na vizinhança. O sangue correu nesta semana em que dois jovens foram mortos a tiros num ataque a uma escola de Cambé. O drama que feriu profundamente a família dos jovens baleados, pegos na inocência de uma manhã num pátio escolar, também atingiu a família do agressor que acabou se suicidando - conforme a versão corrente - num presídio em Londrina.

Essa tragédia dói pelos jovens assassinados e dói pelo assassino cuja história de vida mostra que sofria de transtornos mentais desde 4 anos. O transtorno mental é um peso para qualquer família e carregá-lo, junto com o filho, o neto ou o irmão, é um fardo, ainda mais num país de poucos recursos para tratamentos psiquiátricos, principalmente para quem não tem muito dinheiro.

Ali, na poltrona escura do teatro, remoí as tragédias do palco e as tragédias da vida, com o tapa de realidade que nos acertou esta semana. Podemos nos condoer mais ou menos por cada um dos jovens que partiram, julgando que há os merecedores da nossa dor e o merecedor de nosso desprezo. Mas não seria humano - e tampouco cristão - não reconhecer o sofrimento de todos numa tragédia real, aquela que cutuca nossa consciência desde os gregos que tranformaram em catarse a dor das guerras e dos acontecimentos cotidianos que ainda nos assombram, numa contemporaneidade cada vez mais violenta.

Que a reflexão sobre os últimos acontecimentos nos ensine a pensar como propõe o teatro e como exige nossa própria consciência. E que as mortes violentas não sejam apenas matéria policial ou drama midiático. Que a dor nos sirva para a transformar as mazelas em reflexões que nos salvem de apenas comentar ou reproduzir o sofrimento alheio. A dor é de todos nós!

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A opinião da colunista não reflete, necessariamente, a da Folha de Londrina.