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. | Foto: Marco Jacobsen

Hoje, num mundo marcado por desrespeito profundo ao meio ambiente, as vozes juvenis têm eclodido mostrando um tipo de consciência que está longe do “ideal” dos adultos que não demonstram nenhum compromisso com o futuro. É flagrante a falta de consideração com o custo social e ambiental embutida na condenação de reservas florestais pelo fogo para uso da terra dentro de um modelo considerado ultrapassado e que já causou danos enormes a biomas como o Cerrado.

Esses recursos poderiam ser exploradas dentro de um modelo sustentável plenamente possível, como já demonstram iniciativas bem sucedidas na Amazônia para a produção de alimentos, medicamentos e cosméticos. Mas tudo indica que as autoridades em exercício não estão interessadas em preservação, mas num tipo de desenvolvimento predatório que aparece como um modelo que rescende a políticas de 1970.

Vem da Suécia uma das vozes que ecoam mais fortemente sobre os temas ambientais. Uma garota de 16 anos assumiu protagonismo mundial por levar à reflexão sobre a total irresponsabilidade de gerações adultas sobre o futuro do planeta. Perto de Greta Thunberg algumas lideranças mundiais parecem tão desinformadas e anacrônicas que sequer consideram o aquecimento global um problema. Como ensina um provérbio chinês, os tolos continuam olhando a ponta do dedo quando os sábios apontam as estrelas.

Greta Thunberg, considerada esta semana como “Personalidade do Ano” pela revista Time, começou seus protestos sozinha, propondo sentada à frente do parlamento sueco, em 2018, um movimento a que chamou “Greve das Escolas Pelo Clima.” O ato ocorreu após ondas de calor e incêndios no seu país não terem sido considerados suficientemente graves, a ponto de adultos com cargos públicos demonstrarem preocupação séria com estes indicativos de que alguma coisa vai muito mal.

O que parecia o desejo de uma adolescente de personalidade incomum em favor do clima, transformou-se num movimento global. Em setembro deste ano, um protesto chamado 'Friday for Future' levou milhões de pessoas a saírem em protestos. Nas ruas, jovens falando línguas diferentes se juntaram à voz de Greta, numa demonstração de que a juventude pretende a conservação da Terra como prioridade acima da exploração do petróleo, da valorização das commodities e dos lucros que beneficiam poucos. As vozes dos “pirralhos”, para usar a expressão de um presidente tosco, fizeram-se ouvir numa potência sem precedentes em favor do clima. Seguiram-se participações nas convenções da ONU incluindo o apoio aos indígenas que vem sendo tratados, sobretudo no Brasil, com desrespeito e violência que já causaram mortes, tendo como motivação a ganância e a exploração de suas reservas de forma imediatista. A política predatória tem visão tão curta que não prevê o futuro nem pelos próximos dez anos, quem dirá pela próximas dez décadas.

O perfil de Greta Thunberg chama a atenção por vários motivos. Uma garota de 16 anos, do sexo feminino num mundo dominado por homens velhos, portadora da síndrome de Asperger – que faz parte do espectro do autismo – tornou-se a liderança que governos decadentes, ocupados com destruição e guerras, não supunham que pudesse conquistar espaço tão respeitado. Uma pirralha que cala adultos tolos e ainda demonstra sagacidade usando o preconceito em seu favor ao adotar o apelido improvisado como mote de irônica inteligência. Uma pirralha que luta com a lucidez que falta a governos que, no mínimo, terão muito trabalho para implementar sandices como políticas ambientais, numa demonstração de limitação flagrante para compreender não só o futuro, como o próprio presente.

Como afirmou o filósofo Michael Löwy há décadas, o meio ambiente é a última fronteira para onde avança o capitalismo irresponsável. Mas os "donos do mundo" não contavam com vozes juvenis como a de Greta lutando contra a decadência de uma civilização que se ajoelha para o dinheiro, em detrimento da própria vida. E ainda existem aqueles que chamam a isso desenvolvimento, numa conjuntura de atrasos que se equipara a um 'delay' ambiental de pelo menos 50 anos.