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. | Foto: Marco Jacobsen

Sou do tipo que sonha muito, não só dormindo, como de olhos abertos. Na manhã de quinta-feira acordei com as imagens de um sonho que me colocou num lugar alto, íngreme, com vista para o mar, de onde eu tinha muito medo de descer. O local parecia uma falésia com uns restos de construção, um lado me parecia sem apoio para descer ou escalar, o outro era bastante desconfortável para tentar encaixar o corpo e escorregar com segurança. Sem solução, confesso que ainda acordei "lá em cima."

Quando acordo costumo analisar os sonhos, lanço mão até de textos populares que têm muitas versões na internet e fico feliz quando vejo que um sonho aparentemente ruim pode significar outra coisa, ainda que os textos mambembes não tenham nenhum fundamento científico.

Sei de muita gente que usa os sonhos na vida diária para objetivos mundanos bem-sucedidos. Conheço uma moça que joga no bicho toda vez que têm sonhos significativos e ganha. Longe dos almanaques, a psicanálise tem uma consideração toda especial pelos sonhos e faz deles um modo de conhecimento pelo qual tenho grande respeito porque é realmente incrível o que o conteúdo do inconsciente pode revelar sobre desejos e medos, mas deixo isso para os especialistas.

Nos textos banais, encontramos o exemplo de dez sonhos famosos que acabaram em grandes realizações. Vou me limitar a três: a canção "Yesterday", composta por Paul McCartney, foi inspirada num sonho que ele teve em maio de 1965; o norte-americano Larry Page, parceiro de Sergey Brin na criação do Google, sonhou aos 23 anos com um sistema capaz de trazer toda internet para os computadores domésticos; Albert Einstein sonhou que descia de uma montanha coberta de neve na velocidade da luz e disse que as reflexões sobre este sonho teriam inspirado uma parte de sua carreira científica.

Pelo sim, pelo não, tenho anotado meus sonhos num caderninho. Repito o que a poeta Hilda Hilst costumava fazer e que tive o prazer de conhecer quando revirava seus documentos num arquivo da Unicamp, lá encontrei seus diários de sonhos. Deduzindo que os sonhos inspiram literatura, escrevi o poema a seguir.

Imagens sonhadas

a flor na orelha oriental

onde não voam as abelhas

apenas a primavera

mulheres atiradas como buquês

orquídeas brancas

dentes brancos rindo à toa

até que tudo se misturou

em algo que aconteceria

*

quando acordei da cena cinematográfica.

abri-me como quem brota

uma cerejeira de mentira

perfume de plástico

ocidente onde havia um Japão Imperial

porque o sol bateu na janela

no acidente cósmico da vigília

*

era uma terça-feira

ainda haveria você

falando de Baudelaire naquele dia

como quem serve no almoço

o sonho das flores do mal

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A opinião da colunista não reflete, necessariamente, a da FOLHA.

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