Na minha infância, dia de jogo da Copa era sagrado, como ainda é. A data era quase um casamento, sem vestidos que incomodam e sapatos que apertam. Podíamos ficar de chinelinho mesmo, zanzando ali pela sala até a hora da partida. Sempre gostei mais da Copa que de casamento!

Nelson Rodrigues já tinha criado a frase "A Pátria de Chuteiras" e a ditadura militar - que louvava o futebol, aproveitando cada gol, e escondia a tortura no porão - surfava nesta frase, como surfava na música "Eu te Amo Meu Brasil", de Dom e Ravel, que a gente cantava aos berros, enquanto lia por todos os cantos o slogan: "Brasil, Ame-o ou Deixe-o", sem saber que quem deixava o Brasil, obrigado, era o verdadeiro patriota. Por aqui , o trem havia descarrilado e os confrontos entre polícia e cidadão eram coisa de cinema, só que não.

Naquela Copa de 1970, no México, o País viveu uma alegria como não se via há muito tempo. Na seleção, uma escalação de feras: Félix, Carlos Alberto, Brito, Piazza e Everaldo; Clodoaldo, Gérson e Rivellino; Jairzinho, Pelé e Tostão. Técnico: Zagallo. Fora outros onze de reserva, uma "reserva" que daria pra faturar mais um título mundial.

Lá em casa, na hora do jogo, o pai e a mãe estavam tão eufóricos que se sentaram nas poltronas, para ficarem mais ligados. E o sofazão ficou só pra mim, os irmãos não estavam em casa. Lembro que chovia fininho em Cornélio Procópio (norte do Paraná) naquele 21 de junho de 1970, quando a Canarinho entrou em campo para disputar a final da Copa do Mundo do México, no Estádio Azteca. Tudo tão longe e tão perto, graças à telinha, na transmissão da Globo, com Geraldo José de Almeida driblando também com "a voz da Copa": "Olha lá, olha lá, no placar!" E o coração da gente quase saia pela boca a cada gol contra a Itália.

Na casa de dois descendentes de italianos, naquele dia, só havia torcida pelo Brasil. Meu pai, que nunca gostou de jogo parado, vibrava. Minha mãe,que sempre gostou de política e futebol, torcia dobrando os dedos, numa alegria nervosa. Até o Dick, o cachorrinho da casa, abanava o rabo a cada gol, para acompanhar os donos, mas se escondia na hora dos rojões, que foram muitos.

De rojão em rojão, o Brasil venceu a Itália por 4 a 1, com Dick escondido embaixo do sofazão onde eu pulava, derrubando a tigela de pipoca.

Imagem ilustrativa da imagem A final de 1970: a Copa das Copas na memória
| Foto: Marco Jacobsen

Na última quinta-feira (24), dia de mais um jogo da Copa, lembrei de tudo isso. Foi como um filme da infância, já com a TV colorida, onde o verde-amarelo não tinha exatamente o significado de hoje quando a gente precisa avisar: "É pela Copa!" quando põe uma bandeira na janela.

No momento em que escrevo esta crônica, o Brasil ainda não entrou em campo para a Copa de 2022. Mas estou aqui, de chinelinho, vibrando como fosse a um casamento. Vamos ver o jogo na redação do jornal, de chuteiras como todo o restante da Pátria, que, afinal, é uma só. A essa altura do campeonato, resgatamos a bandeira, quem sabe, para mais um 4 a 1, como naquela final em que pulei tanto no sofá que Dick foi se esconder no armário, apesar do gato.

O Dick não era besta pra aguentar, de uma vez só, os fogos de artifício e o fogo da torcida lá de casa.

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A opinião da colunista não reflete, necessariamente, a da Folha de Londrina.

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