Li numa crônica do Domingos Pellegrini que a Avenida Paraná foi trilha de índios e garimpeiros, quando o estado ainda pertencia a São Paulo e sua região norte era o Sertão do Tibagi, até o dia em que o topógrafo Palhano reabriu a trilha que viraria a principal avenida de Londrina. Fiquei impressionada porque moro na Avenida Paraná e a informação ressoou na minha cabeça já que adoro histórias e, mais ainda, suas assombrações.

Deste dia em diante, minha imaginação começou a voar à noite, passei a enxergar a trilha indígena e uma fileira de caingangues batendo os pés na terra vermelha. O tum tum tum é sincopado, começa ali pelas 2h e pode seguir até às 5, misturado ao canto dos pássaros que sobraram e me lembram que ali havia uma mata, temperada por um vento fino que aprendeu a assobiar com as primeiras assombrações. Só quem mora na Avenida Paraná sabe que ali é um corredor de vento nas madrugadas, quando as folhas caídas se levantam e os gatos cruzam a rua com seus olhos de fogo.

Hoje, a Avenida Paraná está cheia de edifícios, uma floresta de concreto onde existiam árvores magníficas, algumas da altura dos prédios, como ainda atesta a última peroba gigante do Bosque Central, cuja altura regula com o sexto andar de um edifício onde morei. A visão do topo da copa de uma peroba é para poucos, fui privilegiada, juntamente com os urubus e os fantasmas de asa delta.

No centro da cidade, gosto de ouvir as aves noturnas, a mãe da lua estática que assombra os desavisados com seu canto triste. De vez em quando, uma delas pousa nos postes ou na figueira brava que dá sombra a um ponto de táxi, no cruzamento da Avenida Paraná com a Hugo Cabral, a poucos metros do chafariz do Calçadão. É ali que os espíritos dos guerreiros coletam água à noite, de dia estão as mães caingangues vendendo a cestaria, enquanto cuidam de seus bebês.

De dia não há fantasmas, só cuidados, o amor espanta as almas penadas. Para mim, apesar de atropelada pela "civilização", uma mãe caingangue sempre será uma guerreira na selva urbana.

Há pouco mais de um ano, os indígenas fizeram um ritual num dia de festa na Concha Acústica, fui lá conversar com o pajé para saber se podia aspirar o pó de um canudo ritual que nos conecta ao mundo espiritual, segundo a tradição. Da experiência fantástica não dou detalhes, o insight de cada um é coisa íntima, não deve se prestar a alto-falantes, como se vê por aí quando "vendem Jesus" como produto de marketing.

Da experiência sem alardes, só posso dizer que vi os indígenas batendo os pés na trilha, muito antes do topógrafo traçar a avenida onde só sobraram os ecos de uma cultura magnífica, alguns bodoques e a cestaria, na qual os fantasmas se escondem de dia para sair à noite. A magia permanece em Londrina para quem tem olhos para ver as fantasias da terra vermelha.

* A opinião da colunista não reflete, necessariamente, a da Folha de Londrina.