"O ruim não é o que está perdido, mas o que fica pelo caminho, as coisas que não são esquecidas”, reflexiona em um de seus monólogos a personagem Andy, aliás Andrômaca, mulher guerreira saída dos confins da mitologia grega, imediações da Guerra de Troia e imortal super-heroína mercenária nos dias de hoje. Esta e outras tiradas intimistas, entrecortando a ação, é que fazem de “The Old Guard” (“A Velha Guarda”, a tradução literal, mas poderia ser “A Velha Escola” ) não apenas a sensação blockbuster do momento no canal Netflix, mas também o elemento que procura aprofundar um pouco os estereótipos de uma história nascida como graphic novel – aquela HQ em formato de livro. E esse cuidado é bem vindo (embora sem fazer do filme alguma coisa muito melhor) e deve ser comemorado como acréscimo à vertigem da narrativa, dando substancia à dualidade corpo & alma do grupo de personagens, protetores da humanidade. Super-heróis imortais ao longo dos séculos. Mas já nem tanto.

Filme traz super-imortais em ação ao longo dos séculos
Filme traz super-imortais em ação ao longo dos séculos | Foto: Netflix/ Divulgação

Baseado nos quadrinhos do mesmo nome assinados pelo estadunidense Greg Rucka (texto) e pelo cartunista argentino Leandro Fernández (desenhos), “The Old Guard” é o muito provável inicio de uma franquia (outros longas ou uma série televisiva), já que reúne todos os elementos eficazes para desdobramentos: ação, lutas coreografadas corpo a corpo, edição frenética, abundante adrenalina e, como pano de fundo, um argumento fantástico: a imortalidade. Porque a velha guarda é isso, um grupo de seres (sobre) humanos que não podem morrer – embora possam sentir dor – e que percorrem o planeta tentando salvar pessoas ameaçadas, agindo sempre em causas nobres. Embora o preço a pagar seja alto (o custo da solidão é excessivamente alto), os quatro imortais tentam estar juntos acima de tudo por uma questão de solidariedade entre eles e para se convencer que o presente interminável não é uma maldição.

Não deixa de ser irônico: os integrantes da “velha guarda” tem o superpoder ideal para uma pandemia: são imortais, ou quase. Não viverão eternamente, mas tem pela frente uma vida muito longa, imune a tiroteios, degolas, explosões, quedas livres, etc.

No entanto, estão a tantos milênios neste "on the road" da imortalidade que não querem mais viver. Este o drama de Nicky, Joe , Booker e sua líder, Andy. Mas parece que há outros mais pelo mundo afora: é quando a marine negra Nile morre e revive pela primeira vez no Afeganistão, se reunindo ao time de elite de Andy.

Filme traz duas mulheres protagonistas
Filme traz duas mulheres protagonistas | Foto: Netflix/ Divulgação

Alguém diria, não sem razão, que este filme dirigido por Gina Prince-Bythewood previu as novas cotas do Oscar de maneira premonitória. No entanto, os aspectos que fazem de “The Old Guard” um modelo de diversidade já estavam nos quadrinhos da dupla Rucka-Fernández: duas mulheres protagonistas (Charlize Theron e Kiki Layne), atores afro-americanos, um casal de homossexuais, inúmeras mulheres em postos-chave (direção, fotografia, produção, edição, casting), ingredientes não muito comuns em filmes de ação.

Como uma história sobre imortalidade e seus desgostos consequentes, o filme tem óbvios pontos de conexão com vasto grupo de outros na tradição do gênero “imortal” – vampiros , por exemplo. Fiquem à vontade para viajar, desde Lestat e Louis (Anne Rice) até Wolverine, passando por uma infindável lista de “amaldiçoados” pela longevidade eterna.

“Só porque continuamos vivendo não significa que paramos de sofrer", diz Booker (Mathias Schoenaerts),

personagem difuso, olhos macios, quase resgatando a frase da banalidade. O filme, embora mais interessante que alguns dos que podem ser a ele comparados, não evita completamente suas debilidades

– diálogos diretos e fracos, argumento nebuloso e uma curiosa e conveniente seletividade sobre a vida humana.

Apesar de sua consideração sobre a peculiar metafisica de vida e morte, “The Old Guard” continua sendo um filme em que os heróis terminam matando um monte de adversários anônimos. E diferente dos “imortais”, os adversários permanecem mortos.

Confira o trailler de The Old Guard