Embora, em plena era elisabetana, o poeta e dramaturgo inglês sequer suspeitasse do nascimento de uma nova arte revolucionária, três séculos mais tarde, a produção dramática de William Shakespeare se tornaria fonte inesgotável para a novidade das imagens fotográficas em movimento, que desde o final do século XIX criaria estreito vínculo entre teatro e cinema, duas formas de representação tão próximas como intimamente diferentes, mesmo compartilhando um elemento fundamental: a encenação.

“Hamlet” em versão de 1964 dirigida pelo russo Grigori Kozintsev:  uma das tragédias de Shakespeare mais adaptadas para o cinema
“Hamlet” em versão de 1964 dirigida pelo russo Grigori Kozintsev: uma das tragédias de Shakespeare mais adaptadas para o cinema | Foto: Reprodução

Desde 1899 (“King John”, primeiro de centenas de filmes mudos, puro teatro filmado – até hoje mais de 800 títulos ao todo, segundo o Internet Movie Data Base), muitos diretores trouxeram peças de Shakespeare para a tela, mas há um pequeno e notável grupo de cineastas que se destacou por concentrar no dramaturgo boa parte de suas filmografias. Além dos ingleses Laurence Olivier e Kenneth Branagh, os mais prolíficos neste particular, se destaca o americano Orson Welles, outro grande adaptador shakespeariano. Na verdade, os três vieram do universo teatral, os dois primeiros do grande teatro clássico inglês – mesma origem de muitos atores que também migraram para o cinema – e o ultimo do Mercury Theatre, que o próprio Welles fundou em Nova York. Além disso, pode-se acrescentar um quarto nome, o do diretor florentino Franco Zeffirelli, que veio diretamente de encenações de ópera.

Não é nenhum mistério que WS seja referência cultural em todo o mundo. De maneira explícita ou não, o bardo de Avon, como ficou conhecido, está presente em muitas histórias que lemos, ouvimos e vemos. Claro, o cinema não poderia ser exceção, com adaptações muito, pouco ou quase nada fieis a suas obras, muitas e muito boas, e também em filmes livremente inspirados por suas histórias e que receberam outros títulos. O cinema, segundo critérios genéricos, se debruçou principalmente sobre as tragédias (“Hamlet”, “Rei Lear”, “Macbeth”, “Othello”, “Romeu e Julieta”) e dramas históricos (“Julio Cesar”, “Enrique IV”, “Enrique V”, “Ricardo III”), embora comedias também figurem entre as preferências cinematográficas (“Sonho de Uma Noite de Verão”,”Noite de Reis”, “Muito Barulho por Nada”, “A Megera Domada”).

“Romeu de Julieta” (1968), o filme inesquecível de Franco Zefirelli
“Romeu de Julieta” (1968), o filme inesquecível de Franco Zefirelli | Foto: Reprodução

Personagens como Hamlet, Macbeth, Otelo ou Romeu, respectivamente simbolizando indecisão, ambição, ciúme à beira da loucura ou delírio do amor romântico fazem parte do imaginário universal. E o vírus do abuso do poder está em todos eles, de uma forma ou de outra, do sangrento Hamlet ao apaixonado Romeu.

Estas duas tragédias são as duas obras mais adaptadas de Shakespeare, e por consequência as mais populares, seguidas não muito de perto por “Rei Lear” e “Macbeth”. Serão estas, portanto, nosso alvo preferencial em nosso próximo encontro de fiel cinefilia.