"O Silêncio do Outros" é uma poderosa mensagem/lição de que as feridas do passado não são curadas por fatos ignorados
"O Silêncio do Outros" é uma poderosa mensagem/lição de que as feridas do passado não são curadas por fatos ignorados | Foto: Divulgação

“O Silêncio dos Outros”, estreando hoje em Londrina no Cine Com-Tour/UEL, inclui uma série de histórias individuais. O documentário, produzido pela Espanha e Estados Unidos, examina as consequências da Lei de Anistia de 1977 e do chamado Pacto do Esquecimento (Pacto del Olvido), momentos que marcaram a transição espanhola. O filme fala daqueles cujos parentes mortos foram jogados nas valas comuns ou que foram roubados quando nasceram. Ou que são obrigados a cruzar na rua com os torturadores impunes. E neste processo, enquanto compensa com rigor jornalístico o que lhe falta em criatividade formal, “O Silêncio dos Outros” é uma poderosa mensagem/lição: a de que as feridas do passado não são curadas pelos fatos ignorados e que, mais cedo ou mais tarde, elas infectam tudo ao redor.

Produzido, dirigido, fotografado e sonorizado pela madrilena Almudena Carracedo e pelo americano Robert Bahar entre 2013 e 2018, e com produção executiva de Pedro Almodóvar, o documentário rodado durante mais de cinco anos (450 horas de filmagem) segue as diligencias em busca de justiça por parte das vítimas do franquismo (torturados e mães de bebês raptados no nascimento) durante aquele obscuro e infame período histórico.

Sinopses de filmes tão importantes como “O Silêncio dos Outros” podem ser redutoras; o filme vai muito além do passado recente. Na verdade, ele trata do futuro da Espanha, amordaçada por uma parte das instituições e da classe política que vem diretamente da ditadura franquista, silenciada por um sistema que convém a uma minoria e sequestrada por uma inexplicável imposição do silêncio, como arma de pacificação massiva.

O interesse de “O Silêncio dos Outros” vai mais além de sua extraordinária construção cinematográfica em forma de trepidante thriller judicial: um protagonista absoluto (um povo que não pode deixar de olhar para o chão porque sabe que a terra ainda esconde alguns milhões de histórias, ainda a serem reveladas). E uma intrépida secundária togada, a juíza argentina Maria Romilda Servini. Sim, porque até para Buenos Aires foram os envolvidos para conseguir que a justiça universal tivesse atitudes em um assunto que parte da sociedade espanhola (e muitos de seus políticos) se nega a aceitar, não querendo olhar para trás.

Com muita segurança, é lícito afirmar: quando historiadores do futuro quiserem conhecer a realidade espanhola, não vão recorrer à mídia impressa (para muitos, a melhor obra de ficção das letras do país...) e nem aos livros oficiais das escolas: terão, sim, que recorrer a obras como este “O Silêncio dos Outros”. Este documentário, valente, emocionante, ágil, necessário e esclarecedor, se atreve clamar pela verdade, essa verdade que dói, mas que toda democracia precisa debater para então crescer com saúde, respeito e equidade.