Há exatos quatro meses, quando pela primeira vez nesta coluna apontei meu periscópio para a superfície da quarentena confinante, abordei o “cinema de confinamento”, sobre o “huis clos”/entre quatro paredes. Naquele momento ainda desconhecia uma das (raras) boas e confiáveis séries, aliás da espécie não muito frequente das mini.

Dependendo de qual ângulo se assista, o primeiro projeto transeuropeu da Netflix, “Criminal: Alemanha; França; Inglaterra e Espanha” pode ser uma experiência relevante e audaciosa ou, por outro lado, quatro dignos experimentos menores, três para cada país, totalizando doze histórias independentes ligadas apenas pela mesma sala de interrogatório e pela determinação de policiais interrogantes atrás de pistas, indícios, rastros, vestígios e/ou sinais mais ou menos perceptíveis que os variados e complexos suspeitos de homicídios revelam durante depoimentos que se assemelham a intrincadas partidas de xadrez.

O procedimento legal desses investigadores que conduzem “entrevistas compulsórias” acontece naquelas áreas física, cerebral e dramática que o cinema, bem ou mal, já mostrou tantas vezes; mas aqui a sensação de claustrofobia é marca registrada quase permanente, apenas com a variação do componente internacional que faz o conceito parecer simultaneamente mais ousado e um tanto mais descaracterizado, mais seco. De qualquer maneira, e observando a única dúzia de capítulos (felizmente não é um convite a longas maratonas...), o resultado geral é bem satisfatório e dá margem a comparações entre as peculiaridades da índole, do caráter , do temperamento de ingleses, latinos e germânicos no jogo de gato e rato.

Os britânicos George Kay e Jim Field Smith criaram todas as versões, e todas foram filmadas no mesmo estúdio em Madri – nos mesmos cenários, de fato, apenas com atores, diretores e profissionais de nacionalidades e idiomas diferentes para diferenciar cada país em que você está – mas eles contam diferentes histórias sobre diferentes personagens. Interrogatórios, quando bem dramatizados, figuram entre as mais poderosas ferramentas para montar eletrizantes performances policiais. Mas as melhores são sempre de difícil sustentação cênica.

"Criminal" é um thriller psicológico que inova reciclando clichês do gênero
"Criminal" é um thriller psicológico que inova reciclando clichês do gênero | Foto: Netflix/Divulgação

Sejamos honestos. Em ficção quase tudo já foi feito, dito, mostrado, e mente quem disser o contrário. Aquela velha história do nada de novo sob o sol...É por isso que se agradece que este thriller psicológico “Criminal” surja assim como bem vinda proposta policial, porque soube inovar reciclando clichês do gênero e criando algumas novidades feitas em boa parte de sólido material pré-existente. Na sala de interrogatório, a tensão paira no ar e pode ser cortada à faca. Os agentes recorrem às mais diversas técnicas e táticas (algumas atropelando a ética) a fim de obter a confissão; é quando vale tudo para obter a verdade. Além dos interrogatórios ácidos, penosos, duros, às vezes insanos, os episódios de “Criminal” mostram tensões e conflitos entre os próprios investigadores – as equipes são todas chefiadas por mulheres – entre os que estão com os suspeitos e os outros, do outro lado daquele clássico retângulo de vidro que permite ver sem ser visto.

Emoção e tensão decorrem única e exclusivamente do estressante confinamento claustrofóbico entre policia e detidos. Este é o real magnetismo dessa série policial em que não há crimes à vista. E nem são necessários. Eles são cometidos longe da tela, para que não haja o frenesi das perseguições, o sangue da violência gráfica. A adrenalina está nos rostos crispados, nas atitudes contidas, no suor das pausas, no silencio dos ressentimentos, das culpas, dos remorsos, na inevitabilidade da punição, na balança que oscila entre crime e castigo. Bastam as palavras e as expressões faciais para fixar tudo em nossas mentes. E isto, acrescente-se, sem a teatralidade que poderia comprometer toda a encenação. Os elencos são na maioria de nomes desconhecidos, mas eficientes, com a inclusão de um ou outro convidado especial.