“Uma Noite em Miami” (Regina King), “Nomadland” (Chloé Zhao), “First Cow” (Kelly Reichardt), “On the Rocks” (Sofia Coppola), “Emma” (Autumn De Wilde), “Nunca, Quase Nunca, às Vezes, Sempre” (Eliza Hittman), “The Assistant” (Kitty Green). Difícil lembrar um ano em que mulheres cineastas tiveram presença tão forte em uma corrida de premiação. Lá se vão décadas em que cineastas como Jane Campion ou Kathryn Bigelow foram raras exceções de representação feminina na categoria de melhor direção, tanto no Globo de Ouro quanto no Oscar. Este 2021, apesar do momento crítico que castiga a indústria do entretenimento em consequência da peste, tem boa chance de ser aquele ponto de inflexão onde, pela primeira vez, poderia haver mais mulheres indicadas do que homens.

Se vocês viram “A Assistente” (recomendação da semana passada, via Amazon Prime), e se conseguirem assistir “Bela Vingança” (dia 18 nos cinemas brasileiros – onde ficam mesmo?), terão duas visões, digamos, complementares. Se em “A Assistente” temos a intuição da presença do mal – o assédio sexual suspenso naquele ar que a personagem Jane mal respira –, em “Bela Vingança” (Promising Young Woman) Cassie/Cassandra, vivida com muito brilho por Carey Mulligan, se converte numa espécie de justiceira anônima, eventuamente numa femme fatale. O poderoso roteiro da diretora inglesa Emerald Fennell trabalha seu discurso no sentido de transformar a história em algo pouco convencional, através de apostas audaciosamente desconcertantes. Cassie não é uma sociopata ocasional. Aos 30, ela agora é solitária e esquisita, mora com os pais e trabalha uma modesta cafeteria. Mas um dia ela já foi a “promising young girl” do titulo, a garota promissora, bonita, inteligente, que há alguns anos abandonou o curso de Medicina porque uma colega e amiga de univesidade, Nina, com todos os seus atributos, foi vítima de um estupro coletivo. Carregando trauma e obsessão, Cassie faz incursões noturnas pelo bares da cidade, onde se faz passar por bêbada atraindo os machistas de plantão. E eles são muitos.

“Bela Vingança”: comédia negra, com seu ritmo trepidante, é sem dúvida uma das mais interessantes propostas na vertente do cinema feminista
“Bela Vingança”: comédia negra, com seu ritmo trepidante, é sem dúvida uma das mais interessantes propostas na vertente do cinema feminista | Foto: Divulgação

Surpreendente comédia negra, “Bela Vingança”, com seu ritmo trepidante, é sem dúvida uma das mais interessantes propostas nesta vertente do cinema feminista, deixando de lado uma série de formalidades que aparecem coladas neste subgenero. Veemente e sem filtros ao tratar da questão do abuso sexual – ou da violência machista –, o filme também não perdoa a própria concepção social que se tem na atualidade sobre o papel da mulher. A isto o título original faz menção, sobre o que se entende que uma jovem deve e tem que fazer de sua vida: conseguir uma posição, um status a nivel profissional, casar, constituir familia, etc, etc.

“Promising Young Woman” se situa em território limite entre aquilo que se poderia considerar de efetiva trama de vingança feminina e aqueles que poderão assisti-lo como uma espécie de banalização de tema muito mais sério e grave. É provável que a pouca experiência da diretora Fennell seja responsável pela ausência de sutileza (que sobra em “A Assistente”...) para estabelecer esta tênue linha entre a comédia, o suspense, o drama e o terror – sua trilha sonora está sempre recheada de êxitos pop e seu desenho de produção é multicolorido e estilizado mesmo que coisas terriveis estejam acontecendo. Um ou outro espectador pode se sentir incomodado, sem saber como se posicionar diante do que é narrado. Mas é isso mesmo que torna o filme atraente e original, podendo ser politicamente correto ou incorreto ao mesmo tempo.