A nova aventura de Mulher-Maravilha segue os passos da série televisiva interpretada por Lynda Carter (homenageada na cena pós créditos finais, e em boa forma aos 69 anos) na segunda metade dos anos 1970, agora centralizando a ação em 1984 com um duvidoso tom nostálgico como parte do revival daquela década, por obra e graça de manobras de marketing. Parece que ou não sabemos interpretar bem os sinais ou a Warner Bros. foi pega numa daquelas encruzilhadas em que não fica nada claro acerca dos pontos fortes indiscutíveis de cada personagem. Porque lá pelas tantas do filme (e são de fato tantas em seus 151 minutos) há um desequilíbrio absoluto entre o que está no papel e a fantasia sombria, deprimente e desagradável que resulta na tela este segundo filme da heroína.

O roteiro de “Mulher-Maravilha 1984” é sem dúvida o ponto mais anêmico do filme, lança ideias até que interessantes mas logo as esquece ou descarta
O roteiro de “Mulher-Maravilha 1984” é sem dúvida o ponto mais anêmico do filme, lança ideias até que interessantes mas logo as esquece ou descarta | Foto: Divulgação

O eixo da história dessa fantasia de super-heróis é o desejo e a frustração diante da impossibilidade de realizá-los via personagens centrais, posicionando a difícil necessidade de assumir esse obstáculo vital como forma de encontrar equilíbrio, pressupondo que os sonhos são impossíveis para a maioria das pessoas, menos para uma minoria que se destaca sobre todas as demais. Se o personagem do vilão over Maxwell Lord, interpretado pelo chileno-americano Pedro Pascal, não funciona sob nenhum aspecto, seu propósito e suas ações são completamente absurdos e sua chegada à tal “pedra dos desejos” nem sequer é explicada, como é sua origem. E o personagem de Barbara Minerva (Kristen Wiig) é desperdiçado, sendo inserido rapidamente no absurdo injustificável da volta à vida de Steve Trevor (Chris Pine) e da perda de poderes de Diana, uma questão gradativa que também é pouco explicada e que não tem muito suporte ou importância na narrativa. Se Pine pouco ou nada acrescenta ao filme, a maravilha de mulher que é Gal Gadot cumpre bem sua parte na qual claramente se sente confortável.

O roteiro de “Mulher-Maravilha 1984” é sem dúvida o ponto mais anêmico do filme. Lança ideias até que interessantes mas logo as esquece ou descarta, o que lembra desastres contidos em “A Liga da Justiça” (apesar do conteúdo confuso, no geral funcionou melhor do que nova incursão da diretora Patty Jenkins). Como exemplo da disparidade, a relação de Diana e sua nova amiga Barbara, bem interessante no papel e que dá origem a uma boa sequência, a do almoço delas, mas que depois é inutilizada com uma simplificação despropositada.

O recurso da nostalgia é pobre e não consegue cativar e reviver os anos 80, geral um sentido de arbitrariedade no ano e na década escolhidos para o lugar da ação. Efeitos especiais e outras decisões a respeito da digitalização dos poderes da MM procuram sem sucesso recriar o tom da série original dos anos 70 , gerando uma sensação de ridículo. A trama algumas vezes tenta voltar ao pior humor daqueles anos 80, numa das piores decisões do filme, já que não só deixa de provocar o riso que pretende, como também não funciona no nível narrativo do roteiro que tenta a todo custo ser fantástico mas somente consegue ser tolo em sua recorrência dos mesmos artifícios que mergulham a história no absurdo ao longo de todo o (longuíssimo) decorrer do filme.

Se “Mulher-Maravilha” realizado em 2017 teve alguns problemas (não comprometedores) na resolução da história mas não tanto na trama, desta vez a diretora Jenkins e seus roteiristas falham na construção dos personagens e expõem ideias políticas que não têm correlação com a história, posicionam mal o feminismo (trunfo real do primeiro filme). Ao se esconder atrás da fantasia, os realizadores destroem todo tipo de racionalidade, se opondo ao invés de homenagear a série e o personagem que pretendem celebrar. E o discurso de propósitos que permeia o filme – o sucesso não importa se não for alcançado sempre com a verdade e sem trapaças – chega ao espectador como uma mensagem de boas intenções fúteis. O maniqueísmo dos personagens e suas fórmulas são tão implausíveis, as situações tão forçadas e previsíveis que desvirtuam um filme de entretenimento bem feito – porque o fato de um filme ter vocação de entretenimento não o torna estúpido. Ou não deveria torná-lo...