Uma experiência de cinema visualmente magnífica, uma peça na melhor tradição do cinéma-vérité plena de interesse, raro recado ambientalista e viagem a nível pessoal, local e universal: “Honeyland” é o documentário da Macedônia que, depois de ganhar o Festival de Sundance em 2019, fez história ao concorrer simultaneamente ao Oscar em sua categoria e de melhor filme em língua estrangeira. O mapa da mina é a Amazon Prime neste site.

Como acontece nos melhores filmes, os primeiros minutos – não mais que cinco – de “Honeyland” resumem seu tema de maneira memorável. Uma solitária figura feminina vagueia solitária por uma imponente, árida e montanhosa paisagem ao norte da Macedônia. A mulher se arrisca por um desfiladeiro onde desloca um pedaço de rocha, revelando uma grande colmeia de abelhas. Sem luvas, protegida apenas por uma rede sobre a cabeça, enquanto canta uma melodia para tranquilizá-las ela delicadamente puxa para fora do buraco os favos de mel. O enxame voa ao seu redor, sem ameaçá-la.

A mulher é Hatidze Muratova, 55 anos, último representante da apicultura tradicional em toda a Europa. Sem energia elétrica ou água corrente, ela vive em um remoto e minúsculo povoado apenas com a mãe muito idosa e entrevada em casa de chão batido. Solteira, suas outras companhias são um cachorro, gatos e...abelhas. O precioso mel ela recolhe em potes, depois vai de trem à capital, Skopje, e os vende por bom preço no mercado. Com o dinheiro, apenas um detalhe vaidoso: tintura para pintar os cabelos já grisalhos.

Esta existência simples de apicultora, solitária e em harmonia plena com o entorno é de repente alterada pela chegada ao local de uma grande e ruidosa família de origem turca: Hussein, a mulher, sete filhos, e algumas cabeças de gado. O equilíbrio precário de Hatidze, seu modo de vida e até sua vivencia com as abelhas são ameaçados. Por um tempo, com cautelosa cordialidade, ela terá que conviver com esta intrusão, com este desequilíbrio. Ambicioso e sem medidas, Hussein traz colmeias e não respeita a ordem natural das coisas: colher a metade, deixar a metade da produção das abelhas. O resultado é a desestruturação do equilíbrio ecológico com a ameaça à própria sobrevivência das abelhas.

Filmado durante três anos, “Honeyland” evita completamente a narração ou qualquer outro dispositivo artificial para apostar com ênfase na observação pura e simples, já que os realizadores (Tamara Kotevska e Ljubomir Stefanov ) tiveram amplo e irrestrito acesso à intimidade dos protagonistas – a observação é só o que interessa, a intervenção está descartada. O resultado é cinema em estado puro, envolvido por forte carga lírica.

A fotografia é maravilhosa, seja quando registra a natureza em planos gerais como quando, de câmera na mão, grava as peripécias os filhos de Hussein, lidando com as vacas ou brigando entre si. Ou quando foca em Hatidze em sua casinha, à luz de vela.

“Honeyland” é filme sem desperdícios. É documentário exemplar com discurso ambientalista sem que perceba este discurso. É uma poética metáfora sobre como o mundo moderno ameaça destruir as antigas tradições. O filme pode ser visto ainda como um discreto manifesto a favor da solidão. Hatidze tinha resolvido sua relação com as abelhas antes da chegada dos intrusos. E como acontece no cotidiano das pessoas, a presença de estranhos pode ser uma calamidade.