Um filme de espionagem dos velhos tempos. De estrutura clássica. Acadêmico. Talvez previsível. Mas a que se assiste sem maiores problemas, não incomoda e contém boas interpretações.

O jornalista e escritor australiano Phillip Kinghtley, perito na matéria, dizia que o cinema de espiões sempre teve um conteúdo de propaganda, embora fosse concebido como entretenimento inocente. Mas o que pensar quando esses espiões, longe daquela imagem forjada em taças de Martinis agitados e não mexidos, e deslumbrantes cenas de ação, podem ser seus próprios vizinhos, gente como a gente?

Inspirado em caso real, “A Espiã Vermelha” - em exibição na cidade - está construído a partir da prisão da idosa vovó Joan Stanley (na vida real Melita Norwood, uma bibliotecária aposentada), em 2000, e no interrogatório por agentes do M15 que a acusam de espionagem: durante 40 anos,a partir do final da década de 1938, e até o término da Segunda Guerra Mundial, ela teria fornecido segredos do programa nuclear britânico aos russos. A história avança em flashbacks, nos quais estão intercaladas as passagens juvenis da personagem Joan (Shophie Cookson) ao tempo em que ela, ingênua, motivada por ideais e por um arroubo passional, se dedica ao estudo de Física e frequenta círculos comunistas em Cambridge.

Ali conhece jovens apaixonados que querem mudar o mundo, como Leo (Tom Hughes), o homem que ama, e Sonya, ambos exilados comunistas de origem judia.

'A Espiã Vermelha": duas atrizes interpretam a personagem principal em fases diferentes da vida
'A Espiã Vermelha": duas atrizes interpretam a personagem principal em fases diferentes da vida | Foto: Divulgação

Na verdade, o roteiro coloca para o espectador a encruzilhada onde se meteu Joan: mesmo acreditando no diálogo, ela sente que o mundo pós-Hiroshima está à beira da destruição total, e que somente o equilíbrio do poderio nuclear pode forçar alguma espécie de paz. Mergulhada neste raciocínio, ela age com eficiência, e sempre acima de qualquer suspeita se torna a espiã britânica que mais tempo esteve a serviço da KGB.

Mas aqui há um importante porém. Em boa medida, “A Espiã Vermelha” é filme sobre os perigos de subestimar as mulheres, e se esforça por deixar claro que Joan foi vítima do paternalismo da condescendência e do desprezo masculino em ambas as épocas de sua vida. Seduzida primeiro pelo espião que a recruta e depois por seu chefe, ela é uma mulher que permanece à mercê dos homens. E por mais que o roteiro insista de maneira nada sutil em nos lembrar de seu brilhantismo científico, ao mesmo tempo a retrata como um indefeso peão no feroz tabuleiro de xadrez.

O filme tem uma boa arrancada e eficaz narrativa em dois tempos. E desenvolve dilemas morais irresolvíveis, os quais tenta iluminar com ideias. Como as implicações familiares e as discriminações sofridas pela mulher na sociedade de quase um século atrás. Pena que o diretor Trevor Nunn, prestigioso diretor teatral de formação shakespeariana mas com raquítica carreira no cinema, se deixe levar mais pelo elemento romântico, pelo convencionalismo do conjunto e pela servidão à excessiva correção politica exibida em todos os níveis. É um filme que se presumia melhor do que é em realidade: intrigante e com bom pulso, mas sem nunca apaixonar o espectador, que sente falta de maior densidade psicológica e tensão dramática.

Muito boa a Joan mais jovem, Sophie Cookson, uma revelação. E Judi Dench fazendo bem aquilo que sabe, embora esteja fora de cena por longos períodos.