A caprichosa tessitura exibidora da ampla teia de entretenimento infanto-juvenil que este mês cobre o complexo de salas nos multiplex da cidade deixa quase nenhuma opção para o pensamento adulto. Ou trocando literalmente em miúdos: é a alta estação das férias escolares, e os tempos são para fruição do que parece ser a única matéria de diversão que Hollywood é capaz de produzir: super-heróis em carne e osso ou em figuração animada. E cá entre nós, os pets mandam ver melhor que os esdrúxulos voadores fantasiados...

Além do regresso à casa do Homem-Aranha, há outra volta ao lar disponível a partir desta quinta (18), no circuito exibidor da cidade. Não exatamente para alegre fruição de jovens estudantes ociosos em busca de imagens-passatempo, mas para quem busca navegar um pouco mais densamente em águas de história recente do século passado. Recente e dolorosa. O filme é “O Ano de 1985”, produção americana independente realizada em 2018 e ainda em lançamento em grande parte do mercado alternativo internacional – no Brasil estreou há dois meses apenas nas principais capitais.

Sem muito alarde, já mais distante aquela urgência de duas, três décadas atrás, o cinema vem mostrando – para quem quer ver, obviamente – uma onda de filmes para lembrar os mortos pela AIDS epidêmica. (Não há notícia de qualquer memorial, em qualquer país do mundo, com o registro dos mortos pela doença, segundo o escritor Tom Crewe apontou recentemente na London Review of Books.)

Depois de “120 Batimentos por Minutos”, drama francês sobre ativistas da AIDS realizado em 2017 e exibido furtivamente por alguns dias em Londrina, surge este “1985” (titulo original), drama familiar construído com discreta delicadeza e complexidade emocional.

'O Ano de 1985': filmado em preto e branco , drama mostra o quanto o mundo já foi diferente de hoje
'O Ano de 1985': filmado em preto e branco , drama mostra o quanto o mundo já foi diferente de hoje | Foto: Divulgação

É sobre um filho na casa dos vinte anos, Adrian, homossexual ainda no armário, que regressa à texana casa paterna para os feriados de Natal depois de alguns anos ausente. Ele pretende contar a todos de sua família cristã que é gay e que contraiu o vírus HIV. Nesse tempo e nesse espaço, ele vai se movimentar em vias de desespero e coberto por um manto de tristeza. Ali, ele pretende fazer tudo o que é preciso para se defrontar com sua vida conservadora e confrontar com a morte que se aproxima – no último ano, ele enterrou seis amigos e foi demitido de seu emprego como publicitário – ele presume que foi porque descobriu sua doença.

“O Ano de 1985”, dirigido por Yen Tan, cineasta malaio-tailandês radicado no Texas, tem em sua origem um curta-metragem do próprio cineasta (disponível no YouTube). Foi fotografado em preto e branco propositalmente granulado, como que para mostrar que o mundo era diferente em 1985, quando a AIDS invadiu a comunidade gay. A grande virtude deste filme, modesto em recursos materiais mas abundante em humanidade, é a maneira como ele entra na vida de toda a família de Adrian. O elenco é notável, e parte essencial para a construção de uma dramaturgia tão equilibrada e tão compassivamente sintonizada com os sentimentos de todos. O que com certeza seria impossível obter cinematograficamente naqueles dias negros da epidemia.