Uma garota do Brasil adotada por músicos de todo o mundo
Entre as mulheres símbolos de excelência brasileira, como Princesa Leopoldina, Nise da Silveira, Elis Regina, tem essa Garota de Ipanema
PUBLICAÇÃO
sábado, 05 de outubro de 2024
Entre as mulheres símbolos de excelência brasileira, como Princesa Leopoldina, Nise da Silveira, Elis Regina, tem essa Garota de Ipanema
Domingos Pellegrini
Tom e Vinicius estavam no bar como quem nada fazia além de prosear, quando passou bela moça e tiveram ideia de compor canção para uma “garota de Ipanema” a caminho do mar. Tom foi para seu piano, fez a melodia pensando no balançado da moça, e Vinicius depois fez uma primeira letra melancólica: “Vinha cansado de tudo / de tantos caminhos, tão sem poesia / com medo da vida, com medo de amar // Quando na tarde vazia tão linda no espaço / eu vi a menina que vinha num passo / a caminho do mar”.
Era seu lado melancólico conforme ele receitaria em Samba da Bênção: “Pra fazer um bom samba com certeza / é preciso um bocado de tristeza”...
Tom não gostou, então a segunda letra seria em alto astral, conforme o ritmo que começa sincopado e passa para molemolente - e a narração não é no passado (“vinha/vi”) mas no presente, e não começa focando ele mas ela: “Olha que coisa mais linda, mais cheia de graça / é ela menina, que vem e que passa / num doce balanço a caminho do mar// Moça do corpo dourado do sol de Ipanema / o seu balançado é mais que um poema / é a coisa mais linda que já vi passar”.
(O presumível poeta observador chama a garota de “coisa”, como na canção Minha Namorada esta será chamada por Vinicius de “essa coisinha”, evidenciando a escassa correção da época.)
Mas depois desse alegre introito baixa escura nuvem: “Oh, por que estou tão sozinho? / Ah, por que tudo é tão triste?” – e a seguir o verso “ah, a beleza que existe” parece ser só para rimar com “triste”. Já o verso seguinte decerto contém uma zeugma, a omissão de uma palavra presumível: “Ah, a beleza que (nela) existe” – e o poema redunda na obviedade de “a beleza que não é só minha”, depois informando que a garota “também” passa sozinha, ou seja, o poeta está como ela passando pela rua.
Musicalmente são duas melodias, e a melodia sincopada do início volta na terceira parte novamente em alto astral: “Ah, se ela soubesse que quando ela passa/ o mundo inteirinho se enche de graça / e fica mais lindo por causa do amor”.
Como “amor” em Inglês é “love”, o letrista Norman Gilbell da versão em Inglês, buscando rima preferiu inventar que a moça “she looks straight ahead, not at me” (ela olha longe em frente, não pra mim). Assim também no verso final, procurando uma rima oxítona em Inglês para “por causa do amor”, a versão foi “she just doesn´t see” - ela não (me) vê. Vinicius detestou.
Letranças à parte, a música de Tom tem alegre simplicidade na primeira parte e profunda estranheza na segunda, criando um encontro de climas harmônicos que fez Garota de Ipanema ser gravada por muitos músicos de jazz entre as mais de 500 (isto mesmo, quinhentas) gravações em todo o mundo, além de 1.500 participações em coletâneas e álbuns musicais.
Assim, entre as mulheres símbolos de excelência brasileira, como Princesa Leopoldina, Nise da Silveira, Maria Ester Bueno, Elis Regina, Daiane dos Santos e Rebeca Andrade, também está essa não apenas Garota de Ipanema, essa Garota do Brasil para o mundo.