NONNA PAULINA está no coração com letras de polenta e macarrão. Não existirá no mundo polenta mais saborosa, com frango ao molho, e macarrão mais gostoso, com molho de tomates e carne, cozido lentamente até engrossar quase como pasta e a carne derretendo.

Ela despejava a polenta na tábua redonda, onde a massa se espalhava até a beiradinha, porém sem derramar um pingo. Logo que a polenta esfriava e os ponteiros do relógio apontavam o 12, ela lambuzava de óleo um barbante para cortar a roda de polenta em pedaços iguaizinhos. Suas mãos faziam as mais delicadas e complicadas coisas como se fosse natural enfiar linhas em agulhas, como se os dedos tricotassem por conta própria enquanto ela ouvia o rádio.

Ouvia as novelas numa cadeira de palha com almofada caseira, pernas repousando noutra cadeira, o novelo de linha no colo, tricotando de olhar perdido e, de vez em quando, pitando. Nonna Paulina pitava palheiro, que ela e o nonno faziam com fumo de corda e palha de milho. Era uma lição de serviço bem feito: alisar a palha com canivete, cortar no formato, abrir na palma da mão e ali despejar o fumo já picadinho numa tabuinha antiga, fechar com saliva e enlaçar com fitinha de milho.

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. | Foto: Arquivo pessoal

Ela zelava para cada coisa continuar servindo muito tempo. Um dia peguei o abridor de latas para brincar e ela falou não, isto aqui é só pra abrir lata de comida, e eu vi que a mesma nonna, que deixava a gente brincar soltos no quintal, em casa queria tudo no seu lugar. No quartão dos netos, com várias camas, podia haver algum desleixo, mas no resto da casa a ordem simples de tudo se impunha até na área dos fundos.

Ali ficava o tanque, símbolo da Antiguidade Feminina, que durou até a lavadora de roupa entrar em casa. No tanque ela esfregava as roupas de molho, enxaguava, torcia, estendia no varal, depois iria recolher e passar, sempre em silêncio até quando precisasse falar. Aí falava e era ouvida - mesmo porque, em todo problema trazido por algum filho, o nonno dizia que ia pensar até o dia seguinte, mas todos sabiam, era para ouvir o que ela diria no travesseiro.

Palmas no portão, mais uma mãe aflita com criança no colo a chorar berrando. É a senhora que benze quebranto? É, sim, pode entrar. E ligeira e leve como se sustentada por um novo ar, ela quebrava um ovo ou despejava um fio de óleo sobre um dedo de água num prato. Molhava a ponta dos dedos e fazia o sinal-da-cruz na criança, tocando a testa, o peito, os ombros e pronto, a fúria já começava a amansar.

Ela rezava uma oração que só os anjos ouviam e passava a mão na criança já em paz, a cara ainda lambuzada de lágrimas mas um olhar bom. Um dia, ainda rapazola, perguntei onde ela tinha aprendido aquilo, e ela falou ih, nem sei. Muito depois entendi que, sendo um dom, não via como coisa sua mas de quem precisasse e batesse palmas no portão. Quase não saía de casa mas, no coração, minha nonna estava aberta para o mundo, está aqui agora, batendo no meu coração.