VÓ TIANA é outra tatuagem no coração. Será que alguma pesquisa revelaria se os avós de hoje, que tem mais tempo de vida, vivem mais tempo com os netos do que os avós de antes?

De antes do que, perguntará você. De antes dos quintais, respondo fechando os olhos e vendo o quintal da Vó Tiana - que devia ter, medindo hoje vejo com régua adulta, seus 45 metros por 20, mas como era imenso para a meninice!

Tinha a mangueira ao lado da casa, goiabeiras aqui e ali, jaqueira lá e, entre trilhas de chão batido, mandiocas, milho, milho-pipoca, quiabo, berinjelas, tomates, salsinha, cebolinha, batata-doce, aboboreiras subindo pela cerca de balaústres, arbustos se misturando com touceiras de flores. Perto da casa, o canteiro da farmácia caseira: erva-cidreira, hortelã, boldo, babosa...

Para o guri, o quintal era um navio a ser pilotado lá do alto da mangueira, um mundo a ser desvendado nas trilhas, entre aventuras de piratas e mocinhos, até a vó chamar e eu ia correndo, sabendo que na mesa ia ter pipoca ou pão quentinho com manteiga derretida, ou então batata-doce!

Assada no forno a lenha o dia inteiro, no fogão sempre com braseiro, a batata-doce da Vó Tiana virava um creme, de comer com colher e melado.

Quando ela morreu, o fogão ainda foi aceso no velório, depois se apagou e virou paneleiro e ninho de gato, até porque o fogão a gás só esperava ela deixar a casa.

.
. | Foto: Arquivo pessoal

Nos beirais das janelas ela enfileirava violetas plantadas em latas de manteiga, e com um bule amassado regava todas, nunca derramando um pingo.

Um dia o vô trouxe sacos de milho-verde e ela juntou filhas e vizinhas, cada uma com uma bacia e um ralador, sentadas à mesa ou em panos no chão, comandadas por aquela mulher que nunca mandava, só perguntava se alguém queria fazer isso ou aquilo.

Um dia comi tantas balas de coco, ainda mornas ou até quentinhas, quando elas distraíam e eu conseguia pegar mais algumas da mesa, tantas que acabei mal, enjoei, vomitei. Vó Tiana fez um chá, passou. Eu quis pegar mais balas, ela só me sorriu, recolhi a mão e seu sorriso ficou tatuado aqui.

Também ficou tatuado o dia em que ela escovava os cabelos compridos na varanda, lágrimas escorrendo pelo rosto enrugado e pingando na revista no colo. Perguntei porque estava chorando, ela mostrou na revista foto da cadela Laika que, eu já tinha lido, ia ser lançada ao espaço, ia abrir caminho para os astronautas! Então porque, perguntei de novo, ela estava chorando?

Estou chorando, ela falou com sorriso molhado e triste, porque ela vai morrer. Mas é só uma cadela, vó, falei querendo consolar, e ela: por isso mesmo, por isso mesmo... – e amarrou os cabelos, foi regar as samambaias da varanda.

Ela morreu na sua cama, com todos os filhos em volta, e a cada um deu seu olhar que abençoava, sorrindo levemente, de modo que morreu sorrindo.

E não preciso de pesquisa para saber que meu pouco tempo com Vó Tiana foi e continua sendo muito tempo porque muito vivido, naquele tempo e por toda a vida.