Quando minha mãe e meu pai se separaram eu tinha sete anos e fomos morar em Assis, onde morava vó Tiana, e lá tive duas iniciações que ficariam no coração. Mãe alugou uma casa e mandou pintar, o pedreiro chegou com uma pilha de revistas O Cruzeiro e Manchete para forrar o piso contra respingos.

Chovia lá fora e comecei a folhear aquilo, descobrindo que a leitura podia levar além das paredes que o pintor pintava. Millor Fernandes, então ainda assinando Vão Gogo! Davi Nasser e suas reportagens com fotos de Jean Manzon! Eu lia apenas as legendas das fotos, mas eram janelas para o mundo. Comecei a esconder revistas no guarda-roupa, para o pintor não usar antes de eu ler – e ele deve ter percebido, porque afinal deixou todas as revistas e eu deixei de ler gibis, logo passei para os livros, paixão de toda a vida.

Entretanto outra iniciação, a religiosa, foi uma desilusão. Fui fazer o catecismo num salão da Paróquia são Vicente, mas o instrutor era um seminarista que só nos mandava decorar orações e definições, como “Deus é ser amantíssimo e perfeitíssimo”, as proparoxítonas zunindo na cabeça. Para mostrar serviço, ele nos fazia declamar em coro aquelas decorebas para todo pai ou mãe em visita. Assim nos apresentavam um Deus tedioso, que dava sono e vontade de sair correndo quando a sineta tocava.

Conforme foi chegando o dia da primeira comunhão, até o vigário foi ouvir nossas decorebações, e aproveitou para avisar: ninguém se atrevesse a morder a hóstia, era pecado mortal, Jesus ia castigar e a boca ia sangrar! Mas ora, pensei, Jesus não pregava perdão? E Deus tão grandioso ia prestar atenção num pecadinho? Então... Décadas depois, num poeminho, contei o que fiz naquele dia:

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. | Foto: Arquivo de família

Primeira comunhão

cara de anjinho

terço nas mãos

o diabinho

Avisaram bem

não morda a hóstia

(por isso mesmo né

mordi com gosto)

E a hóstia não sangrou!

Jesus não castigou!

Contei pra mãe então

e ela me deu um coque

chamando de moleque

aí cresci um tantão