"Tão longe, de mim distante” – quem já não ouviu os versos iniciais da modinha Quem Sabe? Curiosamente, assim se perpetua o romantismo que, em meados do século 19, foi dominante nas artes, cultuando pessimismo e melancolia típicos que até ganhariam a alcunha de “mal do século”.

Graciosamente, o primeiro verso de Bittencourt Sampaio tem duas sílabas nasais, “lon” e “tan” musicalmente bem acentuadas, como a esticar a distância entre os amantes, além de, situadas na segunda e na penúltima sílabas do verso, parecerem representar um casal separado. (E, enquanto as sílabas jogam assim, as palavras transformam em poesia o que não deixa de ser o pleonasmo “longe/distante”.)

No segundo verso, a música baixa o tom, para veladamente revelar que a amada, além de distante, pode estar interiormente perdida: “onde irá, onde irá teu pensamento?”

O mesmo esquema poético e musical se repete nos dois versos seguintes, com a revelação de que os amantes juraram amor: “Quisera saber agora / se esqueceste, se esqueceste o juramento”. E esse tormento amoroso se acentua com a suspeita: “Quem sabe se és constante / se ainda é meu teu pensamento”...

Em seguida, encerra-se com “Minha alma (é) toda devota / da saudade, da saudade, agro-tormento”, versos sempre pouco compreendidos e talvez por isso mesmo aceitos, mas, olhando com a lente do bom senso, expressam que se pode dedicar ao sofrimento com intenso apego, e tanto sofrimento é um “agro-tormento” (com esta grafia e esse “agro” significando a sofrida dureza sertaneja, nada a ver com a expressão “agro” de hoje).

Bittencourt, que seria político renomado e poeta reconhecido, ainda estudante escreveu, a pedido de Carlos Gomes para uma namorada, essa que seria a campeão brasileira das modinhas, graças certamente à amargura de sua letra casar graciosamente com a leveza melódica, como um devaneio musical.

Carlos Gomes poderia se achar um punido pelos deuses ou pelo destino, quando sua mãe, quanto ele tinha oito anos, foi assassinada a tiro e facadas, em circunstâncias nunca esclarecidas. Depois seu pai, maestro com banda própria, propiciaria as primeiras apresentações musicais ao filho pródigo, que dominava instrumentos como também compunha precocemente.

Ele seria bolsista expoente como estudante de música e, com apoio de Dom Pedro Segundo, foi estudar ópera na Itália, onde as obras que comporia acabariam sendo tão representadas, como também no mundo, que o tornariam o música brasileiro mais conhecido mundialmente, junto com Vila Lobos e Tom Jobim.

Entretanto, enquanto da sua obra erudita é conhecida por todos só a abertura de O Guarani, como intróito de A Voz do Brasil, sua modinha é um dos hinos populares brasileiros, como Saudosa Maloca de Adoniran Barbosa ou Com Que Roupa de Noel Rosa.

O segredo desse sucesso está na simplicidade da letra casada com a graciosidade da música, tornando-se “fácil de lembrar e gostosa de cantar”, como dizem veteranos e novos músicos e cantores sobre essa modinha com mais de século e meio de vida.