O comércio de tinta em spray achou o paraíso no Chile: não se anda em Santiago sem deparar com pichações e grafites. Os recentes se sobrepõem a antigos, complicando ainda mais a leitura dessa História mural, dedicada não ao passado mas ao presente.

O taxista diz que não pode passar pelo centro onde tem protesto, como dizem. São as marchas e comícios com sua mistura de política, teatro social e beleza cívica, sempre porém também com provocadores incitando a violência policial. Desde outubro os protestos continuam todo dia na Praça Itália.

Bairros ricos estão a leste da grande praça, bairros pobres a oeste, e também por isso a praça virou símbolo nacional, refletindo a divisão social causadora dos protestos que acuaram o governo - a ponto de estar convocado plebiscito para em abril decidir se o Chile precisa ou não de nova Constituição, ou seja, lá as praças e as ruas podem mesmo mudar o país.

Mas, como sempre também, os abusos vão castigando quem sempre sofre a História, o povo trabalhador, aí incluindo os autônomos como o taxista, que não são patrões nem empregados mas também são trabalhadores com suas rotinas e rotas – e ficou difícil transitar pelo centro com a garra e a farra dos protestos diários.

.
. | Foto: Reprodução

Dezenas foram mortos na repressão estúpida aos primeiros protestos, o que motivou mais protestos, até que, programado o plebiscito, conta o taxista que os trabalhadores querem trabalhar mas os protestadores querem continuar protestando em nome dos trabalhadores, como se isso botasse pão na mesa: - Todo dia! Vivem do quê?!

Outros mistérios vemos nos muros, além dos “fora”, “abaixo” e até “morra”: há também muitos ACAB, que vem a ser só a sigla de “all the cups are bastards” (todos os tiras são bastardos)... E “evade la carne”, que muito nos intrigou, não é pregação anti-sexual, é apelo vegano para fugir do consumo de carne...

Anarquismo, comunismo, feminismo, lesbianismo, martirismo e golpismo disputam caoticamente os muros, e os monumentos também não escaparam a esse rabisquismo – mas os chilenos passam por tudo isso sem olhar tantas mensagens tão onipresentes que é como se não existissem.

Assuntando, descobre-se que o que mais se vê no Chile é o invisível: a irritação popular impotente diante da rixa entre governo e oposição, nas ruas e no Congresso, já configurando que assim continuará durante a Constituinte.

Lá os protestos começaram por causa de aumento de tarifa do metrô, como aqui em 2013 com tarifa de ônibus. Lá, a desigualdade na previdência é o principal motor dos protestos. Aqui, mesmo com a reforma da previdência, continuamos com poderes públicos fontes de privilégios de custo altíssimo e baixa eficiência.

Esperemos que, se aqui os protestos voltarem a tomar o país, que ao menos, dos veganos aos nazistas, poupem os monumentos. E a polícia poupe munição, embora o que ninguém parece poupar, nos protestos, é bom gosto e bom senso, como bem mostram as pichações no Chile.