Lá onde o céu encontra com a terra, está o horizonte – e ele continua lá por mais que a gente ande. Hoje qualquer criança sabe que a Terra é redonda e assim o horizonte também caminha conforme andamos. Mas isso devia intrigar muito o povo de antes de antanho, quando nem existia ainda linguagem, então aquela estranheza não podia nem ser compartilhada.

Depois, bastou passar, digamos, uns duzentos mil anos, e aqueles seres fedidos, até por vestir couro cru, inventaram a linguagem e, em mais uns tantos milênios, já faziam poesia, cantando lá-lá-lá para o horizonte onde todo dia nascia a bola de fogo. E aquele lá-lá-lá, em mais outros quantos milênios, virou isso que hoje vai de Beethoven à música dodecafônica! E, há apenas dez milênios, a gente não sabia nem plantar! Todo esse agro aí veio de quem notou, pela primeira vez, que as sementes cuspidas brotavam do chão...

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. | Foto: Reprodução

Por isso acho ótimo não ser pessimista, seja o pessimista ideológico, adepto do pior-melhor, seja o pessimista crônico, para quem nada melhora e tudo vai sempre de mal a pior. Um irrita pela desumanidade de torcer pelo caos para daí implantar seu paraíso na terra, o outro enfada por crer que tudo só melhorará num Paraíso fora da Terra.

Basta olhar em volta para ver tanta melhoria em apenas meio século. Os idosos vem do tempo em que se pedia benção aos avós ao chegar ou sair de casa, onde apenas se ouvia rádio porque tevê não existia, e, ao telefone, falava-se gritando, mas crianças de hoje acham normal falar com os avós por videofone.

Além das melhorias serem tantas, nunca foram tão rápidas: levamos duzentos milênios para inventar a linguagem, vinte milênios para inventar a imprensa, alguns séculos para o rádio, algumas décadas para a tevê, daí menos tempo ainda para os satélites, e, agora, num só ano surgem duas gerações tecnológicas! Tem quem troca de celular todo ano para não ficar defasado, virar um sem-tec.

Infelizmente porém, diz o pessimista, parece que as desgraças também evoluíram, vide a covid. Mas meu otimismo, em vez de ver nos males o Mal, ainda vê, como meus avós, que até males há que vem para bem. Decerto sairemos dessa peste com um mundo mais unido e mais preparado para o que depois vier, com nações e seus regimes fortalecidos ou renovados conforme sua atuação nesta Guerra da Gripe.

Esperemos que os governos aprendam agilidade e incorporem simplicidade nas suas burocracias, como foi tão simples transformar o pega-comida (drive-in) em toma-vacina (drive-thru).

Entretanto, não há vacina para as ideologias, que geram o pior-melhor, que só vê tudo ruim quando não está no poder, e o vai-melhorar, que nada vê de ruim quando está no poder. Por isso, prefiro o velho caminho do meio, crendo que melhoramos apesar dos males ou até por causa deles.

Vó Tiana fazia canja deixando pele no frango, mas alguém falou que assim ficava muito gordurosa, e ela concordou, disse que passaria a tirar só metade da pele, não toda, senão a canja não ficava gostosa.

Então: melhor pegar a lupa dos pessimistas, para ver bem os erros, e também a luneta dos otimistas, para ver além. Sempre olhando em volta, claro, para não tropeçar, pois, se o horizonte é visto a partir dos pés, caminho só se faz passo a passo. Mesmo que sejam passos só dentro de casa...