Todo dia o menino olhava da janela um menino que passava com cachorro. Ele tinha medo, não podia ver cachorro que já agarrava nas pernas da mãe – e então ela perguntou se ele queria um cachorro. Ele balançou a cabeça, não, não queria um cachorro. Depois o pai perguntou porque aquela ideia e ela pensou alto: quem sabe assim o menino perdesse tanto medo de tudo.

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Mas os medos do menino aumentaram, a diretora chamou na escola, ele tinha medo de sair da sala para o recreio! Não seria o caso de procurar ajuda profissional? Antes, porém, apareceu na rua um cachorro que ele mostrou à mãe, era um beagle e ela logo viu que não tinha coleira mas não estava magro, ou era fugido ou abandonado. Zanzava farejando tudo e olhando as pessoas com olhos fundos. No portão com o menino, a mãe estendeu a mão, o bichinho cheirou depois lambeu. Quando o pai chegou, foi lhe cheirar os pés e ganhou o nome de Pepé.

Com Pepé o menino descobriu o quintal, correndo e brincando, e, sempre que deixavam porta aberta, Pepé ia cheirar o portão. O pai comprou coleira e levaram Pepé para passear, o rabo abanando tanto que o pai falou nossa, parece que vai voar. Na praça, Pepé brincou com o menino, com outros meninos, com as meninas e até com outro cachorro. Depois deitou e cochilou parecendo sorrir mas o pai disse não, cachorro sorri abanando o rabo, e o rabo do Pepé estava quieto – mas foi só falar seu nome, sem abrir os olhos abanou o rabo.

No dia seguinte, Pepé apresentou ao menino outro menino, e os dois brincaram até esquecendo o cachorro, que volta e meia aparecia abocanhando alguma sandália. É um cachorro moleque mas abençoado, falou a mãe, pois o menino ia esquecendo seus medos, e a diretora até ligou perguntando o nome do psicólogo, a mãe disse que era Pepé e só atendia em casa.

Noutro dia porém o jardineiro apareceu com cara estranha. No celular tinha mostrado a foto do Pepé a alguém, e a foto rodou e... não é que ele tinha dono? Quando o dono veio buscar o Pepé, viu o menino com olhos vermelhos mas falou que não podia fazer nada, sua filhinha estava doente com o cachorro sumido, e se foram, Pepé abanando o rabo no colo do “dono”.

O menino engoliu e ficou com aquilo engolido até a janta, quando a mãe botou comida no prato e ele lágrimas. Não quis comer, dormiu no colo da mãe, acordou querendo colo, o pai dizendo que a vida é assim, ele tinha de ser forte. Mas a mãe disse que ele ainda era só um menino, e ele foi sentar na frente da parede para ficar olhando a parede e ouvindo a parede.

Perguntaram se queria outro cachorro, mas ele só balançou a cabeça, não, ninguém ia dormir na casinha nem beber na vasilha do Pepé, que todo dia ele enchia. Um dia, pegou a coleira e foi para a praça sozinho, voltou cansado de tanto brincar, esquecendo lá a coleira. Voltou buscar, não achou, chorou. Depois enxugou o rosto e foi brincar no quintal, o pai falou que ele estava diferente, não? Sim, disse a mãe, ele tinha crescido muito. Nem tanto, falou o pai; mas olhe nos olhos, ela falou, era onde se via quanto o menino tinha crescido depois de ganhar e de perder o Pepé.

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