Desculpem-me os papagaios, mas para mim os bichos mais humanos são os gatos e os cachorros, a começar porque convivem conosco mais perto que os outros bichos de criação. E porque gostam de viver com gente, como demonstram ronronando em nossas mãos ou abanando tanto o rabo.

Há pouco, cedinho, chamei a cachorra Branquinha e a gata Lua para a ração matinal. Lua não veio, nem se mexeu estirada lá no sofá. Apalpo-lhe a barriga, está bem cheinha, então comeu passarinho caçando à noite.

Lua chegou aqui ainda filhote, com apenas três meses e com a missão de nos livrar de ratos - e zapt, já pegou o primeiro e depois outro e outros, os ratos sumiram. Daí ela passou a pegar passarinhos, no chão ou nas árvores, que sobe com a agilidade silenciosa dos felinos. Gosta de carinhos, mas só quando quer, aí até pede esfregando a cabeça na gente; mas, quando é procurada, rejeita. Tem personalidade ou herança genética, pois sua mãe parece ser gata de Bengala, cruza da espécie doméstica com selvagem. Convivemos com uma caçadora de passarinhos que nos dá rações de carinho.

Estou vendo tevê com as pernas esticadas, ela pula no colo, deita sobre minhas coxas, faço-lhe carinho, ela ronrona. Pesquisa da Universidade de Minnesota, analisando quatro mil pessoas durante dez anos, comprovou que conviver com gato reduz a probabilidade de infarto em 33%. Só li isso depois de ter dito a Lua muitas vezes: - Você me faz bem, meu bem.

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. | Foto: Dalva Vidotte/ Divulgação

Mas Lua não olha nos olhos da gente. Já Branquinha vive nos olhando nos olhos e falando com o olhar. É da espécie dos cães urbanos, vivia pelo mundo até ser atropelada, recolhida pela ong SOS Vida Animal e operada de um grande ferimento. Em fotos, aparece magra, abatida, olhar sofrido. Mas recuperou-se com a garra dos cães de rua, e em seguidinha teve uma ninhada de seis filhotes pois já estava prenha. Todos os filhotes já tinham sido adotados quando fomos procurar uma cachorra para adotar. Alguém foi buscar Branquinha no quintal, e eu estava sentado quando ela entrou e... pulou no meu colo! Perguntei se era assim com todos, não, só comigo. Ela me adotou! Agora vive feliz como aí na foto.

Ela me segue o tempo todo, minha sombra branca. Escrevo e vejo tevê com ela deitada ao lado, minha assistente sempre. Noitinha vou para a fogueira no quintal, ela fica olhando o fogo feito escultura do cão ancestral. A gata Lua passa chispando, sobe e some numa árvore. Branquinha boceja, como a dizer ah, tanta agilidade me entedia.

Aos poucos, Lua volta, rondando em redor, aí Branquinha vem me olhar pedinte, sempre carente de carinho.

Lua pula leve no meu colo, Branquinha começa a rabear tanto que pergunto se vai voar.

Pergunto a Lua o que quer no meu colo, ela mia esfregando a cabeça em minhas mãos, Branquinha já quase voando.

Então faço carinho numa e na outra, Branquinha fecha os olhos e Lua começa a ronronar.

Aí agradeço a Deus pela paz, pelas estrelas, pelo sol que vai voltar amanhã, e também por ter duas mãos.