Palavraças não são formidáveis nem na forma nem no sentido, nem são criadas para heróis e paixões, não, são apenas palavras com graça, visitemos algumas.

Eis ali um tiziu, palavra que imita o assobio do próprio.

No lusco-fusco, palavra mais charmosa da língua, um gato passa num zastrás, dando até um estrimilique na gente - ou uma zonzeira com seus dois z a imitar a zonzice que diz. Lembra zurzir, que é chicotear, maltratar, e por isso foi condenada a estar entre as últimas palavras do dicionário.

Já quando o barco embica na praia, atingindo a areia com seu bico, a proa, há como que um beijo embutido na palavra: embica...

E há palavraças mais para desgraça que para graça, como túmulo e sepultura, com tantas vogais escuras como corvos.

Há palavraças brincalhonas, como guloseima, que teimosa e elegantemente confessa a gula que quer provocar.

Há também duplas de palavraças, como as opostas bar e lar. Já mar e ar se combinam em curteza e imensidão.

(Aliás, segundo uma lógica poética, para ser clara a palavra luz não deveria ser laz?)

Há duplas de palavras semelhantes na forma e diferentes na realidade, como janta e jantar, a primeira corriqueira e a segunda formal, uma sem e outra com guardanapos, os únicos guardas da língua que nada guardam.

Há palavras parentes, como marreta e martelo, aguaceiro e aguardente e tantoutras (enquanto esta aqui é neologismo, palavra que o falante ou escrevente cria no caldeirão da língua).

Há palavraças tão grandes quando ilógicas, como transatlânticos, assim chamados só porque as primeiras viagens intercontinentais foram cruzando o Atlântico, quando a coragem é que tinha de ser grande e não só o barco.

Há também palavraças que é melhor chamar de palavrecas, pois gostam de brincar, como serelepe, bilboquê, moleque, trambique, e trigonometria que parece brincadeira da matemática.

Há palavras visuais, como ovo, que lembra um ninho entre dois ovos, e olhos, palavra que tem dois olhos. Ou coco, que contém a palavra oco e dois C que parecem duas metades da casca aberta do coco, desde que se use também os olhos da imaginação.

E a palavra escombros, tão presente nas guerras, não parece já ser o que diz que é?

Como a palavra cadê parece procurar o que perdeu, não é?

Porém palavra geringonça, coitada, parece mecanismo perdido em si mesmo, como onça a perseguir o próprio rabo.

Dá saudade da palavra quinquênio quando ainda existia trema, pois contava então com seis pontos, quatro dos tremas e dois dos is, campeã de esquisitice linguística.

Enquanto há palavras misteriosas como serra, que tanto pode ser ferramenta como série de montanhas, que entretanto vistas no horizonte parecem uma serra...

Há palavras com muita história, como você, que era Vossa Mercê, virou vosmecê, que virou você, que virou ocê, que agora no zap é só vc ou mesmo apenas c.

Há palavras fósseis, como mesóclise, que era colocar o pronome no meio do verbo, como dar-vos-ei um exemplo.

E a palavra fofo disputa com a palavra cuscuz o título de palavra mais graciosa da língua. Como tiririca é odiada por já, com seus is, reproduzir a erva daninha emergindo da terra...

Palavrões são ofensivos, palavraças são criativas. São o tempero da Língua.