O Carnaval mostra como a mudança é constante em tudo – também revelando que, quanto mais algo parece imutável, mais está perto de mudar, assim como, quando parece estar acabando, está só se transformando.

A maior festa brasileira, única realmente nacional, parecia em decadência, com as escolas de samba michando e em quase extinção os bailes de clubes, quando o Carnaval ressuscitou com os blocos de rua. Apenas vestia fantasia de moribundo...

Esse renascimento adotou uma velha forma, os blocos, mas, em vez da uniformidade dos velhos blocos, com milhares de pessoas com a mesma fantasia, adotou a variedade: de gente, de músicas, de horários e itinerários. E, em vez de se enfurnar em clubes, os novos blocos nasceram nas ruas, como o próprio Carnaval nasceu nas ruas com os entrudos (quando as pessoas se jogavam água de cheiro e tudo mais mas, como isso acabou proibido, o povo do século19 se vingou cantando e dançando e criando o Carnaval...).

No Novo Carnaval, vários conjuntos e baterias tocam se revezando e se unindo, já nisso revelando um espírito de congraçamento que, como a palavra já diz, tem mais graça.

No Velho Carnaval, pequenos blocos de classe média percorriam os bailes nos clubes, onde devidamente fantasiados podiam entrar de graça e de passagem, e assim esses blocos estavam sempre se desencontrando. Agora, o novo Carnaval é, antes de tudo, um encontro de blocos. E nem tem bailes infantis, adultos e crianças familiarmente se misturando.

E cadê os concursos de fantasias? Foram-se como os corsos, aquelas filas de carros a desfilar alegria ao som de buzinas.

Os bailes com orquestra será que rareavam porque o Carnaval foi michando ou porque os próprios bailes em geral também?

Talvez, na globalização da Sapucaí, pode ser que nunca mais vejamos o diretor de harmonia Paulinho da Viola incrivelmente nervoso, diante de sua Portela a desfilar em desarmonia, ou seja, com o andamento das alas se atropelando ou se arrastando no horário estipulado.

O Novo Carnaval decerto não chegará a essas cronometrices e luxos do Velho Carnaval, pois não tem pista de desfile nem júri, só o desejo comum de se divertir cantando as velhas marchinhas misturadas pop-rock-samba etc.

Essa catarse, quando em estado de criancice, faz muito bem para a alma, sabiam os antigos gregos. Ao mesmo tempo, é decerto um modo das pessoas se ligarem à terra, a sua terra, saciando a necessidade de pertencimento, ou melhor, aterramento, deixando o coração dançar com os pés no chão.

No extinto Bloco do Pirulito, que chegou a ter 40 marmanjos vestidos de mulher em Londrina, lembro de um grande empresário, que encontramos na avenida batendo bumbo numa bateria de outro bloco. Perguntei-lhe por que fazia aquilo, e ele respondeu sem parar de bater o bumbo:

- Aqui ninguém quer saber se sou pobre ou rico, querem é que eu bata direito o bumbo!

E um amigo muito tímido, com sutiã e os lábios vermelhos de batom, confessou:

- Visto a fantasia, esqueço a timidez!

Assim o Carnaval é também tempo e campo de mutações pessoais, como o próprio Carnaval passa por transformação. E que continue gerando alegria e beleza, com segurança e decência, além de emprego e renda, dança e mais mudanças.