A Gripe Espanhola, conforme Tio Goo “a pandemia mais letal da História da Humanidade”, em 1916-8 matou entre 50 e 100 milhões de pessoas no mundo. Era um mundo então com quatro vezes menos gente que hoje – e viajava-se de navio, enquanto as gripes de hoje viajam de avião. No Brasil, a Espanhola matou 35 mil, inclusive o presidente da República, Rodrigues Alves. Se você perguntasse por assepsia, pensariam ser uma egípcia, e mãos só se lavavam pra comer. Mas a maioria do povo ainda vivia na roça, e muito menos gente viajava do que agora com tantos aeroportos.

Agora é globalização para pandemia nenhuma botar defeito, e tudo indica que, entre esta crônica ser escrita e publicada, a gripe terá chegado a todo o planeta, paralisando as economias com seu nome ameaçador, Covid - que parece dizer “ide para a cova”. Entretanto, dirá o otimista, ela castiga a economia muito mais do que mata gente, enquanto o pessimista dirá que, atingindo a economia, pode fazer muito mais gente sofrer. Já quem passou dos sessenta se ressabia de saber que idosos são a grande maioria dos mortos, que a gripe apenas prepara para morrerem de pneumonia. É uma gerogripe.

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E o álcool gel é idolatrado! E finalmente lembram dos corrimões! Os de escadas rolantes são transmissores rolantes de vírus. Alguém espirra na mão, volta a mão ao corrimão, onde os vírus vão rolar até retornarem prontinhos para as mãos seguintes, que de algum modo logo irão para o nariz ou os olhos e...

Não é irônico que a doença se propague mais através dos gestos mais humanos como apertar mãos, abraçar e beijar o rosto? E aguardemos máscaras à venda nos sinaleiros. Enquanto isso, a senhora Corrupção suspira aliviada, a Covid se assenhora dos noticiários.

Borges talvez criasse uma história para isso. (O planeta todo fica tão gripado que os ilesos fogem das cidades para se isolar nos campos, e o mundo não se divide mais em nações mas em gripados ou não. A gripe ataca também a mente das pessoas, antes até do vírus. Gente treme diante de maçanetas. Corrimões são depredados a marteladas. Todos andam com álcool gel a tiracolo. No meio da noite a mulher pergunta que foi, pesadelo? E o marido: não, é medo, hoje esqueci da gripe e tomei o elevador. Tava muito cheio? Não, vazio, mas o vírus podia estar lá!)

Ao menos, neste tempo em que a direita acusa a esquerda de apoiar ditaduras atuais e a esquerda acusa a direita de apoiar ditaduras passadas, a gripe é democrática, sem qualquer consideração ideológica, unindo viralmente da China aos Estados Unidos e provocando uma notável integração de serviços públicos mundiais. Graças à gripe, temos o mundo unido!

No Brasil em fevereiro de 1920, depois de ter ficado sem carnaval por causa da Espanhola, o povo se esbaldou como nunca, fazendo uma grande farra de desforra. Tomara que também passemos pela Covid sem ir para a cova e comemorando um mundo mais preparado para controlar melhor, senão as pandemias ideológicas, ao menos as biológicas.