O fulgurante cometa e a luminosa estrela de Dolores Duran
Em seu samba-canção A Noite do Meu Bem , hoje música-tema de novela, música e letra começam já alcançando luminosa ternura
PUBLICAÇÃO
sábado, 09 de novembro de 2024
Em seu samba-canção A Noite do Meu Bem , hoje música-tema de novela, música e letra começam já alcançando luminosa ternura
Domingos Pellegrini

Ela foi um cometa que se tornou estrela. Nascida Adiléia Silva da Rocha, em 1930 no Rio de Janeiro, era mestiça e, sem pai, morava com a mãe num cortiço, mas desde menina queria ser cantora. Aos oito anos, teve febre reumática que a deixou cardiopata, mas aos doze anos foi sensação no famoso programa Calouros em Desfile de Ari Barroso. Adolescente, cantando em casa de gente rica recebeu o nome Dolores Duran, prenunciando uma vida de dores mas talento duradouro.
Em seu samba-canção A Noite do Meu Bem (hoje música-tema de novela de tevê), música e letra começam já alcançando luminosa ternura: “Hoje eu quero a rosa mais linda que houver / e a primeira estrela que vier / para enfeitar a noite do meu bem”.
As estrofes prosseguem anunciando que para enfeitar tal noite haverá paz de crianças dormindo, o abandono de flores se abrindo, a alegria de um barco voltando, ternura de mãos se encontrando, o amor mais profundo e toda a beleza do mundo - numa intensa sequência da imagens fortes com rimas simples, musicalmente alternando tons graves e agudos, até chegar gravemente à estrofe final: “Ah, como esse bem demorou a chegar/ eu já nem sei se terei no olhar / toda a ternura que eu quero lhe dar” (numa melancolia típica do samba-canção e da sofrida vida amorosa de Dolores).
Ainda moça, foi atriz de novelas de rádio, enquanto também ajudava a mãe a costurar e lavar roupa “pra fora”. Aos vinte anos, já morando em apê em Copacabana e cantando em quatro línguas, ganhou nome nas boates cariocas, um circuito musical que seria sua escola. E começou a compor, até com namorados compositores como Billy Blanco e João Donato, com quem se casaria se não fosse rejeitada pela família por ser “negra e cantora”. Mas essa dor amorosa Dolores transformaria em músicas que, gravadas por grandes cantoras e cantores, fizeram sucesso nacional nas poderosas rádios de então.
Passou a cantar em turnês pelos melhores palcos do país, mas aos 25 anos sofreu um enfarte com mês de hospital, devido a contrariar os médicos, trabalhando à noite, bebendo bastante e fumando mais de três maços por dia. De volta ao mesmo ritmo de vida, enamorou-se de mais um compositor, Macedo Neto, e ficou grávida. Preparava o enxoval da criança quando abortou e se afundou em depressão. Casou com Macedo, que se revelaria marido ciumento e machista, e passaria por separação, reconciliação e nova separação. Então escreveu Fim de Caso, baita sucesso que impulsionou turnês pelo mundo, até vivendo semestre em Paris. De volta ao Brasil, faria mais sucesso de tevê e rádio com a canção A Fia de Chico Brito, de Chico Anysio.
Quando ouviu do jovem Tom Jobim a melodia de Por Causa de Você (“Ah, você está vendo só / do jeito que eu fiquei”...), escreveu a letra em poucos minutos com lápis de sobrancelha. E só ou com outros parceiros foi enfileirando sucessos como Estrada do Sol, Ideias Erradas, Minha Toada, Castigo, Olha o Tempo Passando...
Mas não teria tempo para mais sucesso. Depois de um show, uma festa e uma esticada numa boate, foi dormir e não acordou. Tinha 29 anos, fulgurante como um cometa e para sempre uma estrela.

