Ela foi um cometa que se tornou estrela. Nascida Adiléia Silva da Rocha, em 1930 no Rio de Janeiro, era mestiça e, sem pai, morava com a mãe num cortiço, mas desde menina queria ser cantora. Aos oito anos, teve febre reumática que a deixou cardiopata, mas aos doze anos foi sensação no famoso programa Calouros em Desfile de Ari Barroso. Adolescente, cantando em casa de gente rica recebeu o nome Dolores Duran, prenunciando uma vida de dores mas talento duradouro.

Em seu samba-canção A Noite do Meu Bem (hoje música-tema de novela de tevê), música e letra começam já alcançando luminosa ternura: “Hoje eu quero a rosa mais linda que houver / e a primeira estrela que vier / para enfeitar a noite do meu bem”.

As estrofes prosseguem anunciando que para enfeitar tal noite haverá paz de crianças dormindo, o abandono de flores se abrindo, a alegria de um barco voltando, ternura de mãos se encontrando, o amor mais profundo e toda a beleza do mundo - numa intensa sequência da imagens fortes com rimas simples, musicalmente alternando tons graves e agudos, até chegar gravemente à estrofe final: “Ah, como esse bem demorou a chegar/ eu já nem sei se terei no olhar / toda a ternura que eu quero lhe dar” (numa melancolia típica do samba-canção e da sofrida vida amorosa de Dolores).

Ainda moça, foi atriz de novelas de rádio, enquanto também ajudava a mãe a costurar e lavar roupa “pra fora”. Aos vinte anos, já morando em apê em Copacabana e cantando em quatro línguas, ganhou nome nas boates cariocas, um circuito musical que seria sua escola. E começou a compor, até com namorados compositores como Billy Blanco e João Donato, com quem se casaria se não fosse rejeitada pela família por ser “negra e cantora”. Mas essa dor amorosa Dolores transformaria em músicas que, gravadas por grandes cantoras e cantores, fizeram sucesso nacional nas poderosas rádios de então.

Passou a cantar em turnês pelos melhores palcos do país, mas aos 25 anos sofreu um enfarte com mês de hospital, devido a contrariar os médicos, trabalhando à noite, bebendo bastante e fumando mais de três maços por dia. De volta ao mesmo ritmo de vida, enamorou-se de mais um compositor, Macedo Neto, e ficou grávida. Preparava o enxoval da criança quando abortou e se afundou em depressão. Casou com Macedo, que se revelaria marido ciumento e machista, e passaria por separação, reconciliação e nova separação. Então escreveu Fim de Caso, baita sucesso que impulsionou turnês pelo mundo, até vivendo semestre em Paris. De volta ao Brasil, faria mais sucesso de tevê e rádio com a canção A Fia de Chico Brito, de Chico Anysio.

Quando ouviu do jovem Tom Jobim a melodia de Por Causa de Você (“Ah, você está vendo só / do jeito que eu fiquei”...), escreveu a letra em poucos minutos com lápis de sobrancelha. E só ou com outros parceiros foi enfileirando sucessos como Estrada do Sol, Ideias Erradas, Minha Toada, Castigo, Olha o Tempo Passando...

Mas não teria tempo para mais sucesso. Depois de um show, uma festa e uma esticada numa boate, foi dormir e não acordou. Tinha 29 anos, fulgurante como um cometa e para sempre uma estrela.