A mulher acidentada acorda no hospital e o capelão é encarregado de lhe contar que, no mesmo acidente, ela perdeu o marido e os dois filhos. O capelão é pastor que muito consegue consolar pessoas pelas suas perdas ou lhes aliviar as dores da alma, mas eis que se cala, não fala mais nada, apenas fica compartilhando o silêncio. Muito depois, ao escrever livro sobre suas quatro décadas de capelania, o pastor revelará:

- Há situações em que é melhor nada dizer, até porque não há o que dizer, bastando ficar ao lado da pessoa, nas mãos de Deus.

O pastor é o londrinense Gérson Araújo, o livro é "O Ministério da Presença", livro densamente culto, iluminando a capelania com visões e depoimentos de muitos escritores, comentando casos de intensa humanidade como:

Caso 1. O capelão iniciante tinha de informar a família de uma menina que, já no preparo para cirurgia do coração, teve parada cardíaca e morreu. A família começa a chorar. O jovem capelão quer se fazer de forte e segura o choro, até que a irmãzinha da menina chega nele com uma boneca nas mãos e pergunta:

- Que é eu faço agora? Eu trouxe pra ela – e o capelão aprende que não só pode como deve chorar.

Caso 2. Mais gente passa pelos hospitais que pelas igrejas, informa Gerson, e no hospital ele orou por ou orou com 250 mil pessoas, descobrindo na prática o que a medicina confirmaria: os médicos cuidam do corpo, mas para saúde completa é preciso cuidar da alma. Aprendendo a perdoar, começando por se perdoar. Compreendendo que Deus não deve ser cobrado mas ser aceito, como a mulher que perdeu o marido e, só depois de muito chorar, consegue falar: - Senhor, eu preciso muito do meu marido de volta, mas aceito vossa vontade.

Caso 3. O menino foi operado de tumor cerebral. ficou com sequelas e sem chance de cura. Está sentadinho quando o capelão chega, conta histórias e, para ilustrar, mostra uma figura, aí o menino diz que não pode ver, ficou cego com a cirurgia. O capelão engasga, emudece e, quando consegue falar, diz que precisa sair, dá tiau e o menino responde: - Tiao, pastor, vai com Deus.

Caso 4. Morreu um filho de amigo de Beethoven, e ele foi transtornado para a casa do velório, sem saber o que dizer, ainda mais porque a surdez lhe atrapalhava a fala. Então viu um piano num canto e tocou emocionalmente durante uma hora, depois foi embora. E, depois ainda, o amigo diria que nenhuma visita no velório tinha lhe falado tanto.

Caso 5. Menino e menina em bicicletas foram atropelados por caminhão, e no hospital ela logo morreu, e o menino muito ferido passou por tratamento, os médicos não lhe revelando a morte da irmã. Como o capelão fora ficando amigo do menino, um dia foi encarregado de dar a má notícia. O menino chorou, xingou, gritou inconsolável, e, sem saber como consolar, o capelão começou a chorar. E estava com o rosto nas mãos quando sentiu mão no ombro e ouviu o menino:

- Não precisa chorar, pastor, eu estou aqui do seu lado.

É a partir de casos assim que pastor Gerson, através da capelania, dá preciosas aulas para crentes de toda religião e até para incréus, pois são aulas de Humanidade.

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A opinião do colunista não reflete, necessariamente, a da Folha de Londrina.

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