Meu Primeiro Amor: uma ponte musical entre Brasil e Paraguai
Desde a primeira vez que Meu Primeiro Amor foi ao ar nas rádios, choveram telefonemas pedindo “a música da borboleta”
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sexta-feira, 03 de janeiro de 2025
Desde a primeira vez que Meu Primeiro Amor foi ao ar nas rádios, choveram telefonemas pedindo “a música da borboleta”
Domingos Pellegrini

“Saudade, palavra triste / quando se perde um grande amor” – esses versos ecoam na memória musical brasileira porque desde 1952, quando a música Meu Primeiro Amor foi gravada pela primeira vez, pela dupla Cascatinha e Inhana no lado B de um disco, depois foi regravada por muitos e cantada em festas e eventos por muitos outros, é uma daquelas que estão no DNA musical brasileiro.
Foi composta porém no Paraguai, pelo célebre maestro Hermínio Gimenez, exilado político que, voltando a seu país depois da ditadura de Stroeesner que durou 45 anos, continuou a compor muitas músicas do repertório popular paraguaio. No Brasil, a música recebeu de José Fortuna uma versão criativa já desde o título: no original é Lejania, distância sentimental traduzível por “lonjura”, mas Fortuna intitulou sua versão de Meu Primeiro Amor e, já no primeiro verso, recorre àquela palavra que só existe em português, “saudade”.
Assim, “lejano amor primero” torna-se “saudade, palavra triste”, iniciando poema todo em alternância de versos de 7 e 9 sílabas poéticas: “Saudade, palavra triste / quando se perde um grande amor / Na estrada longa da vida / eu vou chorando a minha dor / Igual uma borboleta / vagando triste por sobre a flor / seu nome sempre em meus lábios / irei chorando por onde for”. O ritmo saltitante da imagem “igual uma borboleta vagando triste por sobre a flor” parece reproduzir sonoramente o vôo leve e ligeiro da borboleta, assim criando um verso notável.
O tom musical grave sobe para agudo, tornando a música muito propícia para duplas: “Você nem sequer se lembra / de ouvir a voz deste sofredor / que implora por seu carinho / só um pouquinho do seu amor”.
Com essa linguagem coloquial de tocante simplicidade, a segunda parte é em tom grave e com versos de apenas cinco sílabas poéticas: “Meu primeiro amor / tão logo acabou / só a dor deixou / neste peito meu / Meu primeiro amor / foi como uma flor / que desabrochou / e logo morreu”.
Mas o tom sobe nos versos finais, com o desgracismo típico da época chegando ao masoquismo do sofredor se dizer aliviado pelo próprio sofrimento : “Nesta solidão / sem ter alegria / o que me alivia / são meus tristes ais // São prantos de dor / que dos olhos caem // É porque bem sei / quem eu tanto amei / não verei jamais”.
Desde a primeira vez que Meu Primeiro Amor foi ao ar nas rádios, choveram telefonemas pedindo “a música da borboleta”, que teria dezenas de gravações durante décadas, passando a ser daquelas que o público canta em coro nos shows. Foi fortuna para o letrista José Fortuna e seu parceiro na versão, o músico Pinheirinho Júnior.
No mesmo disco de Cascatinha e Inhana estava a guarânia Índia, que viria a ser outra ponte musical entre Brasil e Paraguai, também em versão de Fortuna, que foi um fenômeno artístico. Começou a compor ainda menino de roça, escrevendo no chão. Escreveu duas mil letras, 900 gravadas, dezenas muito tocadas inclusive em novelas de tevê.
Como autor, ator e diretor, criou a Companhia Teatral Maracanã e percorreu o país e a América do Sul. De volta ao Brasil, formou dupla com o irmão Pitangueira durante 36 anos. Também formou o trio Os Maracanãs para mais de 40 discos, e, além de tudo isso, era radialista de sucesso. E em tudo era ligeiro, igual uma borboleta.

