Mãe Maria e pai Domingos
Mãe Maria e pai Domingos | Foto: Acervo pessoal

Quando começou a ser noticiada a violência contra mulheres, epidemia que parece continuar sem vacina nem tratamento, fiquei em dúvida: havia realmente mais casos de violência contra mulheres e feminicídios ou antes eram pouco noticiados? Certamente havia menos denúncias, ainda na cultura pré-Maria da Penha, como por isso mesmo polícia e Justiça menos atentas e receptivas.

Hoje, porém, parece evidente que essa epidemia cresceu, principalmente porque as mulheres cresceram. Cresceram profissionalmente, trabalhando fora de casa, e assim cresceram socialmente, convivendo com mais gente, como também cresceram culturalmente, abertas a mais informações para além da vida doméstica – e para despeito de seus homens. A palavra “despeito” parece a mais apropriada, conforme os dicionários: “ressentimento produzido por desconsideração, desfeita, humilhação ou ofensa”. A humilhação do homem, por esse crescimento da mulher, parece ser o sentimento mais motivador das violências e feminicídios, ou seja: o sujeito, em vez de se orgulhar e compartilhar, sente-se humilhado pelo crescimento da mulher!

Interessante é que a palavra contém a palavra “peito”, para o homem símbolo de macheza heróica, como no Hino à Bandeira, “peito varonil”, ou no Hino Nacional, “desafia nosso peito a própria morte”, mas a mesma palavra “peito” é, para a mulher, símbolo de amamentação e maternidade. Assim numa mesma palavra convivem a natureza masculina e a natureza feminina, evidenciando que a integridade humana só se dá com a convivência.

A paixão passa mas os filhos ficam, os seios caem mas a autoestima se levanta com carinho, e a ternura é o antídoto seguro para o rancor e a amargura; o problema é que só sabem disso os praticantes, como só os honestos sabem que a honestidade é a melhor esperteza. Outra dúvida que eu tinha, sobre a epidemia feminicida, era se a maioria dos assassinos e espancadores seria de classes sociais com menos educação, mas as notícias foram mostrando que os feminicidas são assim com ou sem diploma superior – evidenciando que a solução profunda para o problema é uma educação realmente superior, no sentido até espiritual da palavra.

Desconfio que a vacina para essa epidemia será inoculada quando já na escola os jovens aprenderem – ou debaterem – que, ao bater na mulher, o homem, que se pretende dominador, já se torna covarde e se mostra inferior.

Sou filho de mulher que se separou do marido ainda nos anos 1950, quando “desquitada” era palavrão e condenação, e depois de sete anos vi meus pais voltando a morar juntos, porém muito se infernizando por coisinhas como ocorre na convivência. Mas nunca vi meu pai erguer a voz e muito menos a mão para minha mãe, até por respeito à mulher que viveu sete anos longe dele com garra e altivez.

Por isso, sempre que vejo notícia de feminicídio lembro deles, esperando que as mulheres sejam altivas mas amorosas como ela, e os homens compreensivos e compassivos como ele. Porque a vacina para essa epidemia parece ser menos ego e mais amor.