Heróis desde o gladiador romano até o João das Águas londrinense
Eles são assim, enxergam o que a gente nem vê e fazem o que ninguém faz
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sábado, 10 de maio de 2025
Eles são assim, enxergam o que a gente nem vê e fazem o que ninguém faz
Domingos Pellegrini

O primeiro herói de verdade do menino, depois dos mocinhos e guerreiros dos gibis e do cinema, foi Ghandi, o indiano miúdo que, com sua não-violência, derrotou o Império Britânico. Quando Londres viu que podia perder a Índia, chamou Ghandi para negociar e lá foi ele. Recusou hospedagem oficial, ficou em casa de amigo indiano e ia caminhando até a conferência, com imprensa mundial seguindo o homenzinho de manto e sandálias, com que conquistou o apoio do mundo, um miúdo herói gigante.
Mais de 1.90 de altura tinha Dom Pedro II, grande por fora e por dentro. Tão culto quanto trabalhador, corajoso e diplomata, foi imperador por meio século e jamais pediu qualquer aumento de proventos, mesmo assim sustentando bolsistas até na Europa. Tinha voz de menino mas atitudes sempre de estadista. Quando a Princesa Isabel assinou a Abolição, sabia que era o que queria o pai em viagem no exterior, um imperador que, quando foi preciso, foi para guerra sem medo mas depois, reconhecendo que a República seria progresso mesmo instalada por golpe militar, não lutou pelo poder. Uma raridade mundial.
Spártaco lutou contra o poder do Império Romano, começando sua revolta como líder de gladiadores, lutadores destinados a morrer, como ele também morreria mas fora da arena, lutando por liberdade e não mais para divertir os poderosos e o povo de alma ruim.
Saltando dois milênios, outro lutador mas vitorioso será Winston Churchill, que alertou a Europa contra Hitler e não foi ouvido, depois liderou seu povo na última trincheira, a Inglaterra, que não permitiu o nazismo avançar mais. É um herói que, entretanto, depois da vitória não foi reeleito deputado e foi pra casa escrever livros que lhe deram o Prêmio Nobel de Literatura.
Já Tancredo Neves não fazia discursos notáveis como Winston, mas não se calava nunca, articulando a resistência à ditadura no Brasil, com a paciência e a astúcia da mineirice. Conversava calmo e baixo, mas em comícios crescia até de corpo, discursando na ponta dos pés vibrante como só. Quando em 1955 os militares os ministros militares exigiram renúncia de Getúlio Vargas, só o miúdo ministro Tancredo disse não, o que não bastou para evitar o suicídio do presidente. Com o mesmo destemor o baixinho Tancredo lutou contra a ditadura militar com as armas da democracia, as palavras e a esperança. É o maior entre os heróis brasileiros, impedindo uma ditadura e derrubando outra sem ferir ninguém. Quem o viu discursar nos imensos comícios Diretas-Já, sabe que o baixinho se tornava um gigante, todo a tremer e gesticular como se lutando.
Lutar pelas águas foi a missão de vida do londrinense João Batista Moreira Souza, o João das Águas, que palmeou nossas fontes e revelou nossos riachos. João agachava em bueiro no centro da cidade, ouvindo nascente jorrando canalizada com esgotos ir desaguar no Lago Igapó, e dizia: - Se fosse em Roma, aqui haveria uma fonte de água limpa pro povo!
Heróis são assim, enxergam o que a gente nem vê e fazem o que ninguém faz.

