Nasci em casa de peroba, madeira das matas derrubadas para o café.

Na frente, a casa era de alvenaria com duas salas comerciais, numa o alfaiate Zequinha, noutra o Salão Regente de meu pai, que era salão só no nome, pois tinha só três cadeiras de barbeiro. Mas, graças ao café, foi dali que saiu o capital para comprar a Pensão Alto Paraná do outro lado da Rua Maranhão.

O menino não esqueceria que, no salão, o piso de ladrilhos escurecia coberto por chumaços de cabelos. Também não esqueceria a mãe lá no quintal lavando todo dia o monte de toalhinhas de barbear.

Mas o fazendeiro se sentia um lorde com barba feita assim, deixava gorjeta, e, se o sitiante só agradecia, o peão já meio bêbado pagava em dobro ou mais, se sentindo rico. E o dinheiro de todos vinha do café, de quem plantava, quem colhia, quem vendia, quem transportava, mesmo carregando nas costas, tinha dia de saqueiro dar a maior gorjeta.

Quando minha mãe resolveu comprar a pensão mal tocada diante do salão, foi porque tinham dinheiro para o primeiro pagamento. E, quando ela começou a tocar a pensão, com almoço e janta para setenta camas, a maioria da freguesia era de peões mateiros, que derrubavam mata para os cafezais, trabalhadores condenados pelo sistema tira-tira, que só quer tirar da terra. Por ser serviço de garra e tino, aqueles peões ganhavam bem para derrubar e queimar matas, mas também iam derrubando o próprio mercado de trabalho. Quando ficou claro que não havia mais o que derrubar ou não se devia mais desmatar tanto, acabaram os peões mateiros rindo com seus dentes de ouro e claudicando com sapatos de verniz.

Mas, enquanto foi cultura de alta renda e grande produção com baixo custo, o ouro verde correu que só, até inverter: a terra vermelha produziu e armazenou tanto que baixou o preço do próprio café, passando a dar baixa renda com alto custo trabalhista, também com baixa produtividade da terra mal cuidada. E mesmo assim, com a barbearia pioneira e a pensão peoneira, pude receber educação de colégios particulares e jamais passar fome.

Quando a cafeicultura michou com a geada negra, em 1975, a família já vivia de alugar casas e arrendar a pensão; o café nos levou para o melhor estado civil, que é a burguesia.

O quarto próprio desde menino, os brinquedos e a bicicleta, os carros e as viagens, os clubes e os livros, os discos e os bailes, a casas e a poupança, tudo veio do café.

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. | Foto: Domingos Pellegrini/ Divulgação

No tempo em que os cinemas lotavam todo dia, o melhor cinema do mundo era o Cine Ouro Verde, que depois tanta cultura vem plantando há décadas.

A implantação do Iapar foi custeada pela Organização Internacional do Café, e o café ressurgiu com o plantio adensado, o trato familiar, os cafés gurmês.

Também é herança do café a ousadia pé-vermelha, o gosto pelo novo e pela aventura, herdado dos pioneiros; que continue nos valendo.

Tudo isso de repente me vem quando deparo no quintal com cafeeiro novinho já florindo; tomara que anunciando boas novas, novas colheitas, novas transformações.