Picareta


Depois de vinte anos de Chácara Chão, estamos vendendo a chácara para mudar daqui. Não, não vamos mudar para apartamento mas, sim, iremos para condomínio fechado. Por segurança? Inclusive mas não principalmente: o que procuramos é, com mais idade, ter menos terreno para cuidar. Não mais teremos grande pomar, apenas jardim em torno da nova casa e, no fundo, um bosquezinho de poucas frutíferas para nós e para os passarinhos. Acostumamos tanto com nossos amigos cantores que é impensável viver sem eles.
Enquanto a nova casa vai entrando na famosa fase de acabamento, quando dizem que acabam o dinheiro e a paciência, passamos a descartar coisarada que a gente vai juntando para enfim perceber que não nos servem mais para nada, até porque mudamos de vida e de cabeça. E eis que deparo com a velha picareta, que já tanto me serviu mas, agora, encara em desafio: como é, cara, ainda consegue me manejar?
Lembro dos picaretas, como eram chamados os corretores de terras e casas. O dicionário vê o picareta como "aproveitador, negocista duvidoso", talvez porque o dicionarista não conheceu a Capital do Café onde os picaretas ganhavam respeito aparando arestas para ajeitar negócios. Nonno José foi corretor de terras, e não se ofendia de ser chamado de picareta, até porque é ferramenta de trabalho e entabular negócios dá trabalho.

Imagem ilustrativa da imagem GRAÇA
| Foto: Shutterstock



O picareta tem de bater em empedrados preconceitos, cavar o terreno das rejeições e desconfianças, separar vantagens de inconveniências, para que aflore o entendimento entre vendedor e comprador. Os corretores que hoje tem Conselho e credencial são herdeiros dos picaretas e, como eles, só colhem resultados se cultivam respeito e descobrem vantagens para todos os envolvidos em cada negócio.
Um picareta vendeu um sítio para meu pai em Capelinha (hoje Paranavaí), dizendo que comprar cafezal era o melhor dos negócios. Fomos lá conhecer o sítio, viagem inesquecível para o menino. Negócio fechado, logo a geada de 55 torrou o cafezal e meu pai ficou se sentindo logrado, até o picareta voltar com fazendeiro vizinho que queria aumentar seus pastos. O preço ainda deixava lucro para meu pai, e depois o picareta confidenciou: tinha falado ao fazendeiro que o melhor negócio do momento era comprar terra de cafezais geados.
Ganhou dos dois lados, deixando todos felizes. Vou preservar minha picareta.

Notícia da Chácara



GRAÇA

Dalva cortou braços de um grande cacto, plantado no chão, e plantou em vasos. Mas só o da foto floriu. Nem mesmo a planta-mãe até agora floriu. Por que? Sabe Deus. Talvez o cacto queira nos dizer que a vida é assim, cada filho tem seu jeito e seu destino, embora todos tenham mamado no mesmo peito.

Imagem ilustrativa da imagem GRAÇA
| Foto: Dalva Vidotte/ Divulgação



E a flor do cacto durou um só dia, começando a abrir um dia antes e já fechando um dia depois. Pareceu dizer: olhem com atenção e já se despeçam de mim porque não sou como as vincas ou as marias-sem-vergonha, tão indefesas mas florindo o ano inteiro...
Quanto mais tenho olhos para as flores, mais vejo beleza na diversidade. Se todos pensassem igual e vissem o mundo da mesma forma, que graça teria a vida?